quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A minha Embriaguez

A vida é engraçada, a vida é gostosa. Com cheiros, sabores, e surpresas. Eu descobri, eu descobri o afeto, e não tenho mais medo dele. Quero com doçura o que antes era para mim fraqueza. Não que me faltasse, muito pelo contrário, o conheço bem. Mas eu tinha medo, medo da doçura. E receio de que a felicidade fosse passageira. Tolice. Eu era infantil porque me achava forte. Ah, meu Deus, me salva da árida ignorância. Eu tinha medo e queria entender com garantias e certezas. Enquanto por dentro o afeto, como fosse  uma bola flamejante,  me irritava o corpo e me chamuscava o espírito.

É um paradoxo, a transbordar em mim tanto afeto e eu a pensar, pensasse em administrar, equacionar, conceitualizar, e ele por ali a queimar, a me dizer que dois mais dois são cinco...

Agora bebo com prazer, seja no cristal mais fino ou no gargalo, sem agenda, sem hora marcada, bebo até a última gota do afeto, sem economizar. Embriago-me. E quando da embriaguez, ébria do entendimento da falta de explicação, sinto me invadir uma felicidade que nada tem de eufórica, é a pura contemplação da vida.  O que sinto é um preenchimento do mundo, do mundo que antes não cabia em mim. É um estado, a felicidade é uma percepção que palavra alguma poderá explicar. É quando o mundo vive e me basta. Basta sentir que a vida só existe pelo afeto.

Embriago-me. E quando da embriaguez, ébria do desentendimento, tomada pelo afeto que é a felicidade viva, sim, sim, sim, eu devo confessar que tinha medo. Medo de compreender o que está vivo e que a vida, complexa e sem rédeas me conduz, ela dança pra mim. A vida pela vida está correndo solta, arfante e generosa.
Quando ele chegava, o afeto - toda vez que me encarava - eu ficava bruta, calada, queria entender com a razão, que nada sabe sobre o que é vivo. É que eu tinha medo. Medo da felicidade que me deixa sempre embriagada, com uma ausência da vida, uma ausência boa, uma ausência plena. O afeto me reboca, me arranca da vida que se pensa, me salva desta vida da razão que me fez sentir medo, medo do efêmero gosto das coisas. Agora, eu quero os segundos que não se repetirão. Aprendi a desejar com inocência - e ser inocente me enche de bravura. Agora anseio o momento de dizer: - eu estou aqui, estou aqui para sempre, o para sempre que é o agora, o sempre de alguns instantes, talvez horas, o sempre da felicidade viva, tão viva que dá a impressão de uma ausência da vida. Eu sinto um gozo de morte, de uma morte intensa, a morte que é o encontro de todos os desejos. Eu estou na vida e sinto este gozo, esta morte repleta de afeto.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Relâmpagos

Ninguém pode impedir o segundo mágico do pensamento.

O pensamento esta morada segura, catre dos tímidos, rede do sonho, o pensamento, mundo intransponível, onde pelos olhos meus entras no relâmpago que se faz quando te vejo, como em um filme onde os frames se misturam, como em um filme onde a cena se torna outra, outra, outra e mais outra, luz, raios cruzam a porta do pensamento que por agora é uma câmera invasiva, o próprio olho é o pensamento, a gente sem personagem, sem texto, sem cortes.

Ficas a vagar na minha frente e te rapto com meus olhos para o abrigo confortável onde te tenho no fascínio do pensamento porque quando estás na minha frente nada mais posso fazer a não ser calar, viver, deixar existir a realidade do jeito que ela me quiser. A realidade, eu a adoro, ela me deixa de perna bamba, e me encanta quando dança, dança em mim.

Mas eu deixo. Deixo que nada aconteça, deixo como está, quando te vejo penso apenas penso e me torno um pouco menos humana, me torno um pouco melhor do que fui, procuro a verdade de cada pequena emoção e esqueço o meu ser cheio de razões e insanidades, cheio de mimos, para que nada interfira entre você eu, entre você e eu só nós, só eu estou a te olhar. Devo te contar, devo - olho fundo e com delicadeza, para não provocar estragos, não ter turbulências, não ter que catar os cacos - aqueles que, me ferindo, pisarei - e te trato bem e te admiro e te protejo e me protejo de mim.

Eu que sempre tive opinião e sempre disse - quero a realidade e não a normalidade porque ser normal é uma coisa doida cansativa - descobri que quero ser melhor, e ser melhor às vezes é apenas não ver, recolher, ser uma escolha a menos, um não querer tristonho e sincero.

Desculpa se paro agora este bilhete que nunca lerás pois mal e mal desconfias o quanto estás a passear pelo meu pensamento, o meu pensamento é um relâmpago e eu preciso parar porque quase chove, chover de verdade, e eu tenho medo, um medo doce, aquela espécie de medo do qual não se tem medo, aquela espécie de medo que se quer desbravar.

É o meu pensamento que está querendo viver.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

...porque chovia...e eu estava descalça...

...ocasional, imperfeito, uma saudade do que ainda vai acontecer sem hora marcada, sem previsão, bem assim à vontade, eu vou estar de saia e sandálias, a cerveja vai estar gelada, vou sentar na calçada e tudo vai ser como a descoberta daquela rima que faltava no fim...

...acaso e coincidências me fazem rir demais, lembranças a me deliciar com o inédito que vai ocorrer, palavras que soam bem, a noite se apresenta em detalhes como se não existisse nada além do prazer que fica congelado, nesta história que precisava de você e de você para acontecer, em uma certa rua, naquela esquina, do outro lado do mundo, como a letra de um samba antigo onde cada frase já nasce com melodia...

...a chuva que me lava, me leva, meu pés descalços, meus cabelos pingam displicentes e essa mão que segura a minha, essa mão na minha cintura é tão bom que só falta você ler pensamentos...