quarta-feira, 22 de abril de 2009

Revolução






Revolução.
Qual o tempo dela existir?
Sempre. Hoje. Agora.

Não penso mais na revolução que remete às questões grandiosas, aos heróis da massa ou às mudanças que viriam com os mártires.Na verdade, nunca acreditei muito nisso mas me calava por temer o açoite das rodas pensantes.
Como quase aconteceu quando a menina me falava de comunismo, Cuba, ditadura, Fidel, democracia. Me senti cansada, meio antiga, ou ela jovem demais, nem sei.Tentei falar, juro, tentei. Não consegui.

A revolução que hoje acredito, e acho possível, é a do indivíduo, revolução invisível.Diariamente.
Ser mais generoso.Dizer não para a velha história da farinha pouca meu pirão primeiro.
Não compactuar com atitudes que fazem a rotina mais triste, mais medíocre.
Dizer sim para a gentileza. Ensinar e ouvir. Ouvir muito.

Todo dia eu luto para conseguir ser mais acolhedora, menos julgadora, comigo e com os outros. Todos os dias ser livre.
Porque é nesta liberdade onde vou descansar. Preciso criá-la nas mínimas coisas. E não é fácil.Todos os dias a revolução acontece porque existe um tirano dentro de mim, um tirano muito charmoso, que quer se perpetuar e eu não deixo.Todos os dias penso que o meu pequeno feudo necessita de novos ares e direções. Mudanças. Todos os dias a revolução.

Acredito na mudança estética, na mudança ética. Acredito no indivíduo artístico, no homem lúdico.

É preciso persistência para se quebrar regras, comportamentos que se repetem há séculos.Ser mais compassivo e menos carnívoro, não apenas com comida. Na vida. No sexo. Nas relações amorosas, que têm de tudo, mas pouco do amor. E todos os dias a revolução deste amor que nada tem dos românticos. É maior.Feito do desapego, feito de uma alegria que só pode existir quando respira, só existe se for livre e nova. Eu quero menos ego e mais prazer. Sempre. Não só no corpo. Na vida.

Todos os dias a árdua tarefa de se reinventar. Na prática.
Cavar, alimentar o prazer em si mesmo, e construir um desejo criativo sem amarras. Todos os dias a revolução. Em mim. Nos outros.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Substancia Química






Dia desses dei por mim, e mais atenta, percebi que não estou sozinha.
Um “nãoseioquê” sem procedência se instalou serenamente bem perto do meu coração, em frente, do lado oposto. E como se fora um vizinho curioso, que nos fins de tarde descansa os braços sobre o balcão, a saudade me vigia, e fica a deitar olhos no burburinho da minha emoção.
A saudade é vazia. É a leveza de uma folha – mas não é a folha – não é concreta, é o bailado a fazer e desfazer ao vento. A saudade é um déjà vu que me pega pela mão, me põe um exagero na alma e me faz desejar um substrato anterior ao pensamento, um sentir antes do que foi sentido.
A Saudade é cheia. É a necessidade de capturar o momento, é um tino, vontade que me impulsiona em direção à ilusória e diversa repetição da vida. A saudade é um sonho aguardado na forma de uma promessa. Ela é plena. Mas não tenho saudade do que possuí, daqueles a quem amei e se foram, dos pedaços da vida que eu construí.
Na saudade não se perde, nunca. Há sim, o que encontrar.
Não há o que perder se amei, entreguei, se pertenci - tudo é contínuo na emoção. Amei, entreguei, pertenci, e recebi o eterno gravado como uma lembrança. Saudade, sentimento íntimo sem tradução. Não é boa, nem ruim, se aloja no vão entre o que penso e o que sinto, é uma tristeza dócil que quando anoitece se esconde no copo do vinho mais escuro, na alegria entre os amigos, no modo estreito de sorrir...
Ninguém a vê, mas na madrugada ela me veste, como um cobertor gasto me cobre e me deixa um frio incômodo a subir pelas pernas. Ela dorme comigo,ela me tira o sono: pertubadora, exagerada, inconformada.
No entanto, meu pensamento lógico argumenta, briga, tenta me libertar, mas no fim vence o aposto: - luta inglória, odisséia.Estou em operação de resgate e me organizo sem muito alarde de modo a acalmar o sentimento. Ajo, enquanto o dia corre, apoiada na normalidade de cumprir os afazeres que a vida me impõe.Distraio a tal saudade de nove às cinco, burocraticamente, enquanto ganho tostões, falo muito, faço serões e, não satisfeita, passo a suborná-la com música, poesia e pensamentos mirabolantes.
Modestamente vou, a cuidar de um viver paralelo – coisa esquisita que nem mesmo sei nomear – sigo em frente aparando com muita calma e desvelo o excesso de sentimento que transbordou às beiras e anda a escorrer pela casa. Sou feita desta substância que me preenche os intervalos, me faz rompente e viva, e me apraz que aos olhos meus seja possível apreender o mundo sob a ótica da irrealidade - do sonho - e pouco me importam as dificuldades que me causa ser excessiva.
Sofro e adoro, nem sempre nessa ordem, quase nunca com a mesma intensidade. Mas a realidade vem e eu a uso desta maneira revirada e fico a torcê-la pois a quero sob medida para o meu tamanho.A coloco neste caldeirão de substâncias minhas enquanto cuido do paralelo.E, se o faço, faço de modo cauteloso, com o se fora uma atitude preventiva, como um convalescente frágil precisa que mesmo as forças o tomem devagar, sem grandes sustos. E, se o faço, faço de modo prático para que eu possa acordar com o corpo disposto e, no meu caminhar rotineiro de todas as manhãs, preparar o café preto e tomá-lo quente e puro. Sozinha.
E ainda estirada sobre a cama, a olhar o céu róseo se misturando ao azul, sorvo a coragem nos goles lentos e quentes do café, ao qual sinto extremamente amargo, mas gosto, e peço ânimo para o restante das horas deste dia que hei de descobrir. Saboreio a aurora de incertezas.Estou ainda a sonhar enquanto a claridade colorida da manhã se derrama sobre a minha cama. Não demora que eu me vá embora, movida pela firmeza de levantar a vida e reinventar as próximas vinte e quatro horas. Dentro de mim não há nuvens, os dias estão quentes, ainda sou a mesma, mas ouçam que aquele burburinho permanece, e próximo ao coração há também um rebuliço...

...é esta tal Saudade a mexer comigo...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Dança Sozinha no Salão






Dança Sozinha no Salão
(george neto)

De repente, vi tudo indo embora
Foste indo porta afora
Sem ao menos me explicar

Escapaste feito água
E eu que não sou pedra, guardo mágoa
Só ficou desilusão

Virou deserto o que era estrada
Virou secreta o que era declarada {refrão}
A verdade desmanchada pelo chão

Virou esteira o que era escada
Virou grosseira o que era delicada
A verdade arrasada pelo chão

Dança sozinha, a verdade, no salão