quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Fantasias de Mãe

Estou com quarenta e dois anos – e me pego a pensar como cheguei até aqui. Eu fiz três filhos, li muitos livros, mas não ainda o bastante. Ainda sou muito ignorante. Perdi dinheiro, chorei meus mortos, minhas mortes, resignei. Estou aqui. Aquelas outras, as mortes em vida, me levaram um pedaço, sobrevivi. 
Estou aqui.
A um único e sincero amor me dei, deixou os filhos, convicção na vida, coragem. 
Estou aqui.

De quantas vidas eu tivesse - e se muitas vidas vivesse - só os filhos me dariam um lugar no mundo. Porque eu não os fiz, eles sim me fizeram. Eu não acredito em maternidade nata, eu acredito em vontade, em prazer, em aventura. E a aventura de ser mãe a nenhuma outra se compara.

O amor entre a mãe e seu filho não é herdado, é construído. E todo dia desconstruído. É feito de muitos mistérios que nos cabem decifrar. É feito de determinação. O amor de uma mãe e seu filho é a crença de que existe alguém que vai de fato te fazer humana, e divina, porque te coloca na linha invisível do poder absoluto.

No entanto, aquela pessoa desprotegida não é tua e nem nunca será. Ela  pode pensar e sentir em outro tom. A educação não adestra, é a maquiagem para o mundo. E o amor é esta aceitação consciente da diferença. O amor de mãe se desconstrói a todo instante, não para criar um outro ser, mas para  esculpir a forma original. É preciso mãos delicadas e fortes para transformar o contorno mais difícil no mais belo.

Eu me torno mãe quando aprendo mais do que ensino. Ensino o básico, o humano. Ensino sendo os meus filhos cobaias do meu poder. Em busca do poder de observação e doçura, que vem antes da ordem. Tem que fazer valer, valer a pena, eu preciso da aventura artistica na maternidade.


Firmeza no essencial para que nasça o bom gênio e o caráter digno. Muita prudência e canja de galinha. Ninguém ama gratuitamente direto do ventre, ninguém nasce com etiqueta e com marca de propriedade. Ter filho não é ter boiada, pois cada ser é maravilhosamente único. É trabalho árduo resistir ao caminho mais fácil - do que é ruim mas conhecido - é cansativo não ceder ao conforto da hipocrisia. É duro apostar no escuro da intuição. Lidar com a insegurança de não ter certezas, dizer não ao todomundofaz que volta e meia quis carimbar meus filhos.

Por outro lado o amor sabe ser enérgico como ninguém. Porque antes do grito ele medita na ação. Desconstruir o amor é repensar estruturas milenares - é também não saber. O não sei pode ser mais eficiente do que a certeza. Não saber direito o caminho do mundo, buscar o mundo que se quer. Não ter respostas é criar outras tantas novas. Reinventar. Permitir a descoberta, romper o cabresto. Ensinar a beleza da mudança, a possibilidade da adaptação - e que tudo se torna possível na tradição da ruptura. Romper sim, mas com elegância.

O amor de mãe é a necessidade de fazer aquela criatura, vazia e recém-nascida, te pertencer por liberdade, por emoção. Reconheço como verdade que o colo da mãe aquele que serve tantas vezes de consolo e restauro, é o filho quem aquece. 


Como um jardineiro incansável cuida da terra - aduba, protege e espera - também as mães dão aos seus filhos a poda amorosa e a massa afetiva, feitas desde cedo de alegria, erros sinceros, desconstrução e recomeços.

Porque quando eu não estiver mais por aqui eles ainda estarão comigo pelo resto da vida.