domingo, 21 de março de 2010

A Vida No Domingo

Antigamente eu achava que o amor me dizia verdades
quando mandava mensagens disfarçadas em bilhetes

e seria simples o amor
como diálogos na padaria ou uma viagem de onibus
zona sul centro simples seria
como tomar cerveja no boteco da esquina

antigamente me diziam:- como você é complicada, e esquisita!
antigamente me diziam:- acho que você é fria...
eu não acreditava e acreditava muito
e todo o estranho mundo em volta me entristecia

hoje me acham complexa e ainda dizem que sou diferente
de um modo muito particular eu mesma digo
estou sim um pouco mais fria
e portanto hoje não encabulo, sigo
a fazer piadas quase sem nenhuma graça
do que antes me entristecia

antigamente eu era crédula
antigamente me importava com coisas
sem a menor importância e achava digno
a gente se manter fiel aos princípios
e possuía certezas absolutas que agora esqueço
e hoje preciso me conhecer todos os dias

antigamente eu acreditava em amor
e achava beijar a coisa mais linda
sem medo e entregue, sem medo e alegre
querendo fazer pesquisa
da sua boca na minha
da sua boca na minha

e assim a vida corria fácil,fácil
sem pensar minha própria incompetência
imagina,
eu só queria aquela pureza que dormia comigo

porque antigamente eu sentia o poder das palavras bonitas
e gostava de esperar você amor
recitando poemas bem devagar, bem perto do seu ouvido,
abrir um livro, decorar tudinho
palavras, aromas, milagres e depois
vamos fazer silêncio e amar
Bandeira, Drumond, Pessoa, Adélia, Cecília
e todos aqueles poemas de amor de Shakeaspere
eu achava a coisa mais sexy do mundo

contudo quem adivinha quando o amor, ao amor não evoca?
eu sei, eu sinto, conheço aquele estranho vazio e juro
não querer mais amar o que for vulgar
não vou mais me perder em facilidades
hoje quero um sopro de vida, forte
voraz, avassalador

não há mais lugar para a falta de poesia
antigamente a vida era fácil
antigamente confesso eu era mais simples

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sexta Das Meninas

(este texto foi criado a partir da musica - Noite das Meninas - de Tulio Borges)

sexta-feira final de expediente
fim de um tédio início de outro
estou morto sou só um corpo
um corpo que perambula
alimenta anda trabalha vive
como um corpo morto a cumprir tarefas
acabou a semana
desligo
o ar condicionado e
luzes
tranco a porta
na noite quente abafada
o ar seco me fere a garganta
corta

Quarto apertado ar parado na janela de cela paisagem da noite fria cenário de sombra não tem luz só tem fumaça o óculos embaça. Não tem luz tem lâmpada não tem fumaça tem gente que respira que respira o vapor de corpo vivo e se mistura na boca ao gosto de álcool e de saliva.
Não. Aqui ninguém respira aqui é só a noite escura na lâmpada amarela baixa balança perto da cabeça enquanto a gente divide um pouco do ar e da língua funda que encosta e troca e pega e tira e experimenta e volta e pára escorraça e geme e continua no álcool e na boca a noite escura e seca. Queima a respiração debaixo da lâmpada amarela na esquina da parede áspera encurrala arde e arranca o suor do álcool na boca as mãos espalmadas ardendo rasgadas abertas fechadas entram com o gosto de medo molhado de gasolina e saliva.
Estou morto estou vivo estou na caverna deglutindo gozo e gemidos monossilábico primitivo no ocre gosto da pele que sobe e desce na mordida entre as coxas na minha boca palato e virilha e não respiro sinto o ocre a poeira o chão nos lábios e nas costas saliva e pressa óleo e pernas que me prendem sugam o pescoço e me invadem lábios um medo molhado nervoso me suga ofegante o cheiro de floresta no leito da noite. Um bicho que reconhece no escuro um corpo na urgência da noite fina enquanto abre fecha vira passa a língua logo acima a lâmpada ilumina apaga e queima no vapor desconhecido do incenso a pele suada engole desvario e tristeza.


Nas esquinas, nas paredes escorre
a noite fina das meninas
da janela da cela entra bêbada em mim macia
derrama a língua no céu da boca
veludo e melancolia
o pote cheio de agonia