terça-feira, 29 de junho de 2010

A Sua Discreta Presença

(Para minha filha Clarice - Maio 1994)

Preciso de um verbo, tradução de sua presença.
E para o seu estar inopinado me acalmam somente revelações proféticas.
Meu corpo gravita, meu corpo é um planeta. Está cheio e lunar o meu corpo satélite. Habita-me o invisível, o cosmo, uma nova galáxia dentro de um corpo primitivo.
Lacrimejam meus olhos porque precisam de um telescópio, os olhos meus, para ver o que trago em mim como um céu, o céu que me cobre a cabeça, a terra que me apoia os pés e o mar, o mar, meu céu terrestre, a confundir meus horizontes. E para enxergar a você, meu astro celeste, preciso de um telescópio – e de toda a incrível ciência. Preciso de um verbo que o denomine.
Perdoa, desde já, esta minha primitiva rudeza, perdoa. Na verdade, sou alguém que pensa, que pensa que sou, e deseja amar compreendendo.
Tento não explicar você, meu corpo celeste, tento não colocá-lo na minha gramática, na minha esquisita ciência. Ama-lo-ei incompreensível e natural como a haste verde surgindo no lodo, na terra seca, numa cratera.
Viva em mim, minha nebulosa, e sem permissão vingue em mim, mais sábia do que tudo existente e - maior - em sua luz que o mundo meu não alcança.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Composição

Eu não sou aquela que a minha mãe gostaria, não sou.
Quem acredita que sou mãe de três filhos, sem manto, sem véu, sem ave maria?
Quem acredita que acho a vida difícil e boa como as frases redundantes que escrevo, feitas de incertezas e poucas verdades.
Quem acredita que existe o p
razer da poesia como na vida feita de imaginação e ondas revigorantes.

Que sou crédula e insegura e não sei, não sei e tenho medo, não sei e tenho medo de estar na vida sem saber, que de fato estou na vida sem saber - mas estou - e ainda digo: meus braços estão abertos e sigo experimentando o correto caminho do desconhecido onde faço uma certa confusão de cores, onde ouço música, em busca em busca, à procura do bom gosto. A natural sofisticação do básico e a beleza do que é humano.

E se eu morrer amanhã saiba que não acredito em mais nada e acredito em tudo que me der vontade, que a vida é uma reinvenção em si mesma. Saibam que tentei ser a simplicidade de um dia após o outro. Um dia após o outro, um dia, um dia após o outro. na cadência.

E se eu morrer amanhã saiba que eu me emociono. Eu me emociono com o mínimo que me faz sentir viva. Os sons e o silêncio - o silêncio triste do vazio e da morte - pode ser muito completo.  Eu acredito que os mundos são feitos de música, música e poesia, pinceladas loucas, tudo é composição, tudo é feito de pensamento criativo. Eu serei aquela que imagino e quero, aquela que construo e destruo persistente. Eu não sou o que esperam.

Eu não sou quem minha mãe gostaria, não sou.
Quem acredita que eu sinto a passagem das horas pelas emoção, esta complexa fagulha,  ao abrir os olhos, e não se queimar. Quase parece um pecado. E que eu tenho três filhos e não tenho certeza sobre coisa alguma? Quase parece um defeito.

Mas quem acredita que na poesia de não saber a gente pode viver?
Que a emoção vive da incerteza, e desaprendendo a gente pode viver.
Eu não preciso de verdades, eu preciso de imaginação e todos os dias fazer o igual diferente para que eu não perca por aí minha emoção em troca das facilidades. Eu preciso dar importância ao que não sei explicar direito. E tenho a certeza de que não quero contar minha vida pelos dias dormidos. Eu não sou quem minha mãe gostaria, não sou.

Que eu permita aos meus que eles sejam porque eu os ensinei a não serem meus, e que eles sejam sejam sem cansaços porque é a única forma de se estar vivo. Saibam que o amor pode ser apenas o querer bem da vontade.

Quem acredita nesta lucidez estranha, feita de pequenas loucuras de liberdade?
Eu não sou quem minha mãe gostaria, não sou. Mas a vida tem um manual com meu nome.