sábado, 30 de julho de 2011

Se

Não que ela não fosse interessante, era demais até, não era bonita claramente mas o que importava é que possuía um tipo de beleza cheia de gosto, beleza a ser descoberta. Sim, ela era um continente a ser explorado, um sítio arqueológico imenso...

Não que ele não fosse um homem a quem qualquer mulher olharia duas vezes. Olhavam sim, elas olhavam inúmeras vezes. Mas eram olhares de pesquisa. Não que ele fosse um homem sem atrativos, era um homem como cabe a um homem quase belo ser, desprovido da ilusão dos artefatos, que não acredita na facilidade. No rosto dele, a cada novo olhar, ela percebe um detalhe que antes não havia, e nos repetidos encontros ele se transforma, a cada vez um novo homem - simples - e este detalhe lhe caia bem, ausência de vaidade, como um homem deveria ser...

Não que ela fosse a mulher da vida dele, não era, e ele soube desde sempre, e nunca quisera se enganar a respeito deste sentimento: a certeza do que não é para acontecer. Mas porque ela era interessante - e apesar de ter conhecido muitas outras mulheres a sentia diferente - desde o primeiro minuto a quis da forma como um homem pode querer uma mulher: sem muita explicação. E porque, e afinal, ela gostasse de dirigir à noite, enquanto ouvia uma música triste no rádio, e comesse algodão doce deixando o açucar lhe sujar a boca, e gostasse de gargalhar das piadas mais suspeitas e de se embebedar enquanto pensava sobre seus próprios pensamentos e porque, e afinal, ela fosse esquisitinha, ele gostava dessas facetas.

Não que ele fosse másculo, e forte, e corpulento, não era. Era natural, felino e monossilábico ao comprimir levemente os olhos como se estudasse o momento de encantar, e porque ele era míope ao usar o óculos este se misturava ao rosto cheio de ângulos, e como se adivinhasse o resultado exótico, aproveitava o artifício como uma beleza conquistada, adquirida. E embora soubesse que não era o homem da sua vida, ele possuia a consciência de cada movimento, ou seja - ela sabia que ele era o homem para o momento...

Não que fosse uma grande paixão, não, ele não faria loucuras por ela, nem teria atitudes extremas, mas era só dela este jeito de pressionar sua nuca e ao mesmo tempo sorrir enquanto repentinamente se calava e abstraia de qualquer assunto, e no silêncio sabia como falar as coisas mais importantes para que o mundo se tornasse infinito e pequeno ao mesmo tempo, o mundo era aquela mão na sua nuca, aquela mão que nem era bonita, era comum - ele diria, extremamente comum, apenas aquela mão na sua nuca...

Não que ele fosse um homem inteligente, era mediano, inteligente sim, em mínimas coisas, mas não acerca das situações do pensamento, vivia a realidade sem fantasia, e ainda que não fosse brilhante tinha momentos seus. Ela sabia que esta genial simplicidade o fazia ser alguém e que acima de qualquer filosofia havia aquele nariz meio quebrado, adunco, formando uma curva acentuada no rosto dele...

Não é porque ela fosse diferente, era o silêncio que vinha dela, pausa para o discurso não revelado, eram as palavras que não foram ditas que o faziam voltar a olhar para ela, era exatamente o que ela não dizia o que de verdade importava para ele, e então quando a deixava depois de cada encontro, quando já estava sozinho, dentro dele soava a silenciosa novidade que ela não havia contado...

E não era porque ela não soubesse sobre as variadas formas de amor, e carregasse a certeza de que jamais o amaria, mesmo assim ela o queria, por todo o paradoxo, e porque afinal não houvessem motivos para não querê-lo, ela o quis sim, com a naturalidade da falta de mistério, e porque ele era de uma clareza entediante - para quem as coisas existem sem meio termo e para quem todas as coisas são nomeadas - e porque para ele a vida existia sem as metáforas - por isso e apesar disso ela o queria...

E não é porque eles não soubessem que tudo termina e que a perfeição mora em uma casa sem chaves e, ao prever que seria por pouco tempo foram capazes, foram capazes, somente porque eles sabiam que a impossibilidade é possível...

domingo, 24 de julho de 2011

E Só

Hoje eu não quero.
Hoje eu não quero nada.
Hoje eu não quero nem ser eu.
Hoje eu não quero ser ninguem, nem existir eu quero.
E de fato não sei bem onde estou
Quero mudar de rua, de casa, de endereço.
Quero pegar o carrro e ir para Petropolis, São Paulo
Para o interior de Goias e quem sabe as Minas Gerais.
Mas cidade não.
Quero um fim de mundo, a mata verde e arvores grandes
Quero respirar
Hoje não quero mais nada, nem existir eu quero
Hoje não quero ter nome, estou cansada
Não quero que ninguem me chame
Neste dia obscuro e ainda claro, quero esquecer o hoje, o ontem, o amanhã
E só pensar que eu não quero que seja Domingo.
Porque Domingo só é bonito na música do Tim
Que por sinal nem gosto tanto assim
Eu não quero o Domingo, com as mãos muito frias, com o corpo dolorido
Ferido, pelo espinho taquicardíaco
Vamos pular para Segunda-feira e acreditar que tudo melhore
Sem dor, sem falta de ar, sem tristeza
E talvez na quinta a estranheza passe
O dia está branco, tomara estivesse cinza para combinar comigo
Com a bolsa, o sapato, o relogio e os brincos
E o meu coração vazio
Hoje nao quero nada, nem estas palavras
Eu quero logo que anoiteça sem ligar a Tv
Sem musica, sem barulhos, sem nada a dizer
Hoje eu não quero nada, nem ser eu, estou cansada
Vou pegar um foguete para outro planeta
Hoje eu só queria as estrelas
E só,
E chega!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Sonho Simples de Inverno

eu quero um fim de semana sem ter nenhum pensamento
só você
eu quero um dia sem relógio, medindo o tempo a olhar para o longe
e para o ponto mais próximo que se pode alcançar entre você e eu
eu quero dias sem pressa, sem regras
comer quando a fome vier e esperar o anoitecer sem acender as luzes
ouvindo música sem hora para dormir, e então
pegar na sua mão, displicente 
a sentir a vida na delicada impermanência do momento

eu quero um fim de semana sem ter nenhum pensamento
só você
sem hora para acordar, 
sem despertador e devagar
café muito quento, queijo, pão preto, suco de manga,
geleia com raspas de laranja
o amanhecer frio, o inverno, os barulhos no jardim
o sol da manhã entrando pela janela e voltar a dormir
a sandalia havaina e meias de lã e sua mão
por dentro da minha hering branca

eu quero um fim de semana sem ter nenhum pensamento
só você
vamos almoçar às cinco horas da tarde, sem pressa de viver
porque a vida aqui é só um sonho onde a gente vai fazendo tudo, 
de acordo com a vontade
vamos jogar baralho e eu te ensino a jogar gamão - não vou prestar atenção
e deixar você ganhar, enquanto tomo caipirinha de cachaça com morango e carambola
a rir da minha distração que não tira os olhos de você

eu quero um fim de semana sem ter nenhum pensamento
só você
porque a noite é longa e pouca para o que eu sinto
a lua no céu dando um espetáculo que a gente assiste 
sem ter o que dizer, sem obrigação com as palavras, sem assuntos na pauta
vamos aproveitar em silêncio
o delicioso silencio do breve momento de ser feliz
o aqui e o agora que se inventa, que nao cabe em mim e não cabe em você 

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Assim é Se te Parece

Eu não quero ser diferente. Eu não quero ser estranha. Gostaria imensamente de desfrutar o calmo pasto do rebanho mas pressinto que boa parte da minha vida tenha sido gasta no esforço de passar despercebida, misturada aos demais. No entanto, quanto mais e mais tentei não causar relevo, o inverso deste desejo me fazia saltar do tranqüilo anonimato. Eu, que só quis, durante boa parte da minha vida, me manter assim: no discreto ofício de sentir.

No fundo, sou uma síntese de todos os inversos e contrários daquilo que tentei não ser. Sou um quebra-cabeça que a todo tempo se reorganiza. Sou de uma normalidade excêntrica.

Sou comum. Sou extremamente comum, muito embora procure as emoções dissonantes na previsível passagem dos dias. Por isto devo contar logo, para que não se enganes comigo. Presumo que não saibas o quanto sou frágil, que tenho medo de alturas e que não gosto da excitação dos perigos. Não espero que me entendas com este meu jeito de olhar por todos os ângulos e a mania que tenho de querer sentir a vida por outra perspectiva.  Estou a me esforçar. Olho, imagino, repagino o ambiente. E se te recorto em busca do original da tua vida é porque só posso amar aquilo que me surpreende, e se te surpreendes também. Quero que me ensines a novidade do que eu já sabia. Eu gosto do cotidiano das pequenas coisas. Os acontecimentos banais e as obviedades me encantam.

Eu preciso te confessar um segredo: o imperceptível me arrebata. Grandes espetáculos se fazem sob o conjunto dos detalhes. Devo te lembrar que somos cegos. O que nos faz enxergar o mundo é a imaginação. Ah, quanto delírio escondido, quanta interpretação guarda o detalhe.

Saiba que de repente me deu uma enorme vontade – uma vontade sem motivo aparente – uma vontade concreta e pura de me entregar. Vou me entregar à minha  cegueira, beijar a palma da tua mão, e te deixar este segundo imaginado que jamais termina - marcada para sempre.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Amor Calado

Vem, que eu te espero, quando acabar o dia a gente se encontra 
Eu quero te contar a minha vida, os acontecimentos, do trivial
Os pequenos problemas
Vamos comer um sanduiche, tomar vinho na mesa da cozinha, ouvir vozes no vizinho
E ser feliz na simplicidade das oito horas da noite
Depois você vai tocar uma música no piano
Só para me perguntar se eu gostei
E eu vou gostar sem dizer mais nada
E o nada que eu disser
Saiba que vale o disparo de mil tambores
No diafragma e no peito, pelo corpo inteiro

A garrafa de vinho já pela metade vai estar
Deixada em um canto da sala
E não se incomoda por ser esquecida
O piano continua a tocar sem o abafador
E novamente me perguntará se a musica é boa
- Você é, respondo
Queria te falar tantas coisas, não consigo
Vou seguir o encanto, acreditar na mágica
Vou amar o transe,
Quando me segura pela nuca o amor
Que me olha com olhos negros e me encara de soslaio
E me faz doer as costelas
Esta espécie de amor calado

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Nunca te Vi, Sempre te Amei

Não sei direito quando te vejo o que sentir, nao sei direito o que sentir quando vou te encontrar e quando te vejo eu sinto um bloqueio, é um barulho tão grande no meu coração esquisito querendo gostar.
É assim um tumulto, um assombro terno, um alvoroço querido ao te ver passar, que os meus olhos deitam sobre você serenos a divagar, sem medo, sem dor, sem receio.
Ah, o modo como eu te vejo, o modo como eu te vejo é simples complexo. Quando eu te vejo o mundo é mais meu bagunçado e harmonico.

De te ver eu preciso sem parar, por minutos, horas, mergulhar profundo sem descansar, de te ver eu preciso e não sei se posso, não sei se devo mas eu preciso, te olhar no breu, eu preciso estar cego e inventar a noite, noites claras de tanto enxergar.
De te ver eu preciso porque você é a noite escura mas eu te enxergo e porque estou cego o mundo então se torna mais belo,

e meus olhos sonham aquilo que nao se deve sonhar.