sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Quinta-Feira Viva

O dia lindo, o dia azul, a beleza para apreciar. 
Mas era uma quinta-feira clara e toda gente estava morta.
Toda gente não estava mais onde deveria ou eu estava cega, para o dia lindo, para todo o azul brilhante. Para apreciar. Eu estava cega para apreciar o belo. O pulsar das coisas, a vida. 
O amor era o que não havia na quinta-feira vazia.

Não há tristeza, nem melancolia. 
Nenhuma fantasia na quinta-feira pontiaguda. 
Sem o drama existencial meu, dos outros. Sentimental eu sou, como se é na música, Altemar, Camelo e eu, do meu jeito sou demais. Sou das minúcias e das mínimas porções. Dos diversos sabores para um só sentimento. Sou de um gostar calado, e constante, que uma vida inteira é tão pouco para uma mesma emoção.  Eu quis da vida a urgência, preciso também da calma, da contemplação. Na quinta-feira linda.
Sofri, porque não quero esquecer como se é feliz.
No entanto, existe um mal. 
Uma beleza fúnebre, acima do que se amou e  além do sentir que de fato foi amado. 
Resta uma realidade morta. É quando a gente sabe que já não se importa.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Caramelo

Ela pintou os olhos, como se fosse o último dia
O negro dos olhos, caramelo da cor do deserto
Ela se preparou para conhecer o mundo e saiu,
Saiu para o dia solar, azul, amarelo, vermelho, coral
E suspirou o vento quente
Que não desmanchou o cabelo envolvido no icharb negro

A túnica, o algodão egípcio, o mistério
E quase um sorriso para inventar um destino
Que ela mesma trançou nas sandalias ao caminhar sem rumo
Enquanto os mascates, as outras mulheres, a vida, o tempo
Todos pararam para ver aqueles olhos pintados 
De fumaça, sombra, cílios esparramados
 
O brilho escuro da berinjela
O prato de lentilhas fumegantes,
A folha da uva, 
O sol estridente 
E na boca o gosto do Anis 
                        quando ela saiu para conhecer o mundo

O vento quente soprou 
                        e não havia mais medo algum
Nos olhos úmidos que ela pintou
Negros, castanho caramelo da cor do deserto,
De fumaça, sombra, cílios esparramados
A se proteger somente com sua capa, seu icharb bordado
Quando tudo em volta era silêncio, silêncio dentro do quarto

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Redundante

Meu amor ficou escondido,
Meu amor ficou aturdido, de um jeito
que nao deveria estar, está louco  
Enlouqueceu aos poucos, porque não avisaram
que nao é saudavel amar demais,
Meu amor está doente, triste,
Meu amor ficou mal acostumado
porque não ensinaram que amor não era
aquele modo inacreditável de gostar, 
de marte, de venus, maldito
Daquele modo de amar desenfreado
Meu amor ficou fraco, meu amor ficou alucinado
De tanto amar está perdido pelos becos
Bruto, sem lei, sem jeito, feito no desgoverno
E feriu a si próprio
Quando pensava que era certo sentir
Medo, choro, lamento,
Do amor sem amor
O meu amor sofreu demais, tragou o amargo, provou o veneno
O meu amor que é cheio de vida, rústico, as sutilezas desconhece
Não lhe ensinaram que é pleno, o amor de verdade, é mar sereno
Não lhe ensinaram o necessário: ser simples, belo, divino,
Desprevenido,
O desejo, é óleo que queima no mistério
Arde lentamente, o desejo,
Queima sem parar
Destemido
Sem parar jamais
Redundante  

sábado, 10 de setembro de 2011

Lutos

Lutos
Pior do que o tabu da morte, é a vida em luto.
Já conheci a a ausência, a ausência definitiva. É como se a vida estivesse em todos os lugares, menos dentro da gente, é como se a vida não te pertencesse, é como ser outra pessoa. Porque o luto é devastador. O luto desarruma, por dentro e por fora, impregna de impotência e humilhação.
O luto é necessáio e hoje eu compreendo o quanto é preciso. O sofrimento atroz, o poço fundo. Eu sei o que é ficar estirado no chão, sem conseguir sentir que ainda existe sim, aquela pessoa que você foi um dia. É a sensação de desaparecer, não é morrer. É sumir. A alma vai embora, a alma deixa o corpo e então fica difícil viver. Como se vive sem a alma?
Eu já escrevi que a minha alma de vez em quando passeia, foge, vai vagabundear por aí. Mas é coisa consentida, é pura pilantragem de um modo de ser feliz .
Não sentir a própria alma é o manto de um luto inteiro a te encobrir. Vem uma dor esmagada. É a alma encolhida, a alma que está falecida dentro de nós.
Quando meu pai morreu não me deixaram ir ao enterro. Bom, as pessoas agem segundo suas próprias carências. Então, todos concordaram que aquele assustador momento, tinha que ser apagado. Mas querer apagar antes de esquecer é tentar fingir que não aconteceu. Seria triste eu estar no enterro do meu pai, pois ninguém sabia lidar com a situação do meu luto que se mostrava silencioso, ninguém queria arriscar mudar a calmaria daquele luto inocente. Uma criança orfã é a expressão do abandono, é a fragilidade do mundo adulto, a falta de explicação. Ninguém queria explicação para o silêncio da minha dor, e eu resolvi deixar, deixar.
Como eu desejei a despedida física, o adeus real. O concreto, a vida se movimentando, o adeus sem ilusão e sem a esperança de que algo extraordinário fosse acontecer, eu desejei ouvir e ver a verdade, aquela que não iria melhorar de repente, mas fazia a paralisia ter sentido.
A história que me restou para contar foi a de alguém que não pôde chorar, que teve vergonha de sofrer. Eu queria a minha história, queria a crueldade da vida, mas aprendi a fingir que não me doía. Enquanto isso, pensava racionalmente: como vou fazer agora, como vai ser? Quem eu vou ser, sem ele? Fiz muitos planos para essa equação. Mas a verdade, é que a minha vida, a partir daquela madrugada, a noite em que meu pai partiu, eu já adivinhara. Acordei cedo, antes de amanhecer, fazia muito frio, fui até a sala e vi minha mãe chorando de cabeça baixa. Tinha alguém com ela que me disse: vai dormir que não é nada, mas eu sabia que aquilo seria para sempre. E fui dormir calada esperando a tragédia.
Não poder vê-lo, nem no enterro, foi como se ele morresse duas vezes. Eu queria ter podido falar, ver meu pai, e sofrer sem a vergonha. Ele morreu duas vezes. E eu fiquei no personagem que me impuseram, fingindo que não estava entendendo nada. Eu queria ter dito que não me importava, nada importava, e que ele não ia morrer nunca. O pavor de esquecer me trouxe o imprevisto. Quanto mais eu me perdia da imagem, e da lembrança, sentia, eu sentia que a morte, que não existia a morte, não havia mais dor, eu e ele, a gente era uma coisa só. A gente era feito do imaterial amor. Então um dia pensei: agora vou começar de novo, agora vou ser outra pessoa.
A morte não é o meu maior medo. O meu grande medo é o luto em vida. Aquele que perturba e não passa, a escuridão que não vai embora, São as mortes que ficam dentro de nós, são as mortes em vida que precisam ser ultrapassadas. É não perder a alegria, é não se perder por aí. Largar a alma em qualquer companhia, deixar a alma ao relento, desprotegida no frio cortante, sem saber mais como voltar para casa. E é tão fácil se perder por aí.
Nascer novamente é um desafio. A grande pergunta é: quem eu vou colocar no lugar do buraco, no lugar do luto negro? Ah, não sei. Alguém. Ninguém. Talvez eu.
A verdade é que não tenho medo da morte. Eu não tenho medo da morte. Tenho muito medo é da vida, da vida mal vivida, da farsa hipócrita, da indiferença, da falta de coragem, tenho medo de complicar e perder o precioso tempo, tenho pavor da vulgaridade. Tenho medo de não conseguir ver o melhor. E o melhor é muito simples. Não é banal. É simples. A vida é simples.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Atávica

a casa vazia, o inicio da vida, os barulhos da rua
o onibus, vozes, a van gávea rocinha avisa que o dia já começou
faz a cama e ouve musica, trabalha e pesquisa,
a roupa é guardada no armario e a outra,
a roupa lavando na máquina
o café esquenta a boca, e tomo mais pra fraco, amargo
cardamomo se tiver eu ponho
porque eu vivo para os perfumes
comida é boa com alho e coentro
a cebola me faz chorar por diferentes motivos,
arroz com brócolis e azeite vai ter no almoço - gosto muito - os meninos também
o bolonhesa no fogo é com canela e pimenta que eu faço
para sentir o atávico gosto da vida
achando que estou no sagrado
porque hoje é dia de trocar os lençois
nesta sexta-feira nada santa

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Te amo como amo tuas ideias, que são minhas, e de todos que se entregam a elas.


Formidável. Colossal. Gigantesco. Fantástico. Magnífico. Avassalador.

As palavras são assim. Um significado e muitas nuances. Cada sinônimo uma carga de sentimento, uma nova imagem, uma outra maneira de dizer quase a mesma coisa. Eu aprendo muito com as palavras e nos últimos tempos o exercício obrigatório de escrever, acima de qualquer inspiração, me tornou uma pessoa melhor. Estou mais excentricamente eu e sabe-se lá o ônus que isso me causa, não sei, não me importa.

Eu não nasci para ser normal. No sentido mais perverso da normalidade. Desde que me entendo por gente penso ter aterrisado no planeta errado. No entanto, quando me dei conta que ser diferente é formidável tudo mudou.  Quando percebi que possuía o trunfo da estranheza a vida ficou mais fácil. Entendi que não posso ser ninguém melhor, se não for eu totalmente. O grande desafio está comigo. Na falta de normalidade. Na capacidade de me reinventar. Na minha tolerância. A minha tolerância é silenciosa mas não admite a prisão dos rótulos e não suporta as análises sociais feitas com base na falta de assunto.

Eu quero ser meu próprio personagem.

O meu personagem vive aventuras e tem um coração que segue uma bússola doida. Ele quer o amor, ele quer amar o amor que existe no mundo. Ele tem uma saga a cumprir e descobriu que ser apropriado e caber dentro do paletó atrapalha. O meu herói frágil, mas ainda sim um herói, não tem armas e só acredita na palavra, na palavra dita de todas as formas, na palavra sentida de todas as maneiras. Eu sigo com ele a descobrir trilhas para alcançar um lugar que nunca chega, pois o nosso lugar está no caminho.
Faz tempo parei de tentar me encaixar, não quero mais caber na roupa, deixei de usar o figurino adequado. O que sei é o que sinto. Estou a cada dia mais inteira, com todas as manias e fragilidades, verborragias e vícios. E estar inteiramente é como um egoísmo que nos transforma na pessoa mais generosa do mundo.

Eu desejo o extraordinário, os vários tons da mesma palavra. Todos os sinônimos. E o meu personagem, ele é intenso, está cada vez mais destemido e amoroso, perigosamente amoroso. Ser amoroso é a grande rebeldia. E saber receber o amor é o maior de todos os desafios.