sexta-feira, 29 de abril de 2011

Antroprofágica

Insônia é a companhia que quero hoje, angústia está aqui ao lado, bem ao lado, e me diz alô, o passado remexendo no baú do presente, me conta sobre a frágil  vida da gente, esta vidinha em que se finge que não se sabe que a qualquer momento pode ficar mais ou menos: medíocre, pequena, estranha.

Ah, chega de arrogância,  cidadão vulgar e sem brilho feito de sentimentos egocêntricos. É certo que vou me retirar já, já, para não assistir ao burlesco da sua atuação previsível, da sua atuação lugar comum, da sua atuação vazia, fora da vida, a sua atuação classe média oprimida, disfarçada, sem humor, sem capricho, a falta de charme sem a jóia merecida. Dá licença?


Eu estou na vida, eu estou na vida por dentro lá em cima, contra a parede, triste, esquisita, sem noção, sem medo mas com pavor de gostar e de querer ela inteira, eu estou na vida apesar de tudo, apesar e além do tempo. Estou selvagem e sem freio, eu estou com medo, eu estou. De perna bamba, sem chão, sem casa, sem cama, com aflição. Faminta e sem comida. Vou mastigar a vida, devagar demorado, vou viver desesperadamente e nada pode me parar.


Antropofágica estou, é a saída. Para sentir a graça, o frescor, a rédea solta, o vento, a chuva, a mudança do tempo, o estado das pequeniníssimas coisas, vou mergulhar neste rio que passa na minha frente para perceber o sutil, o sentimento que não se pode explicar. Como já disse antes, e por vezes também esqueço - vou me secar a céu aberto, no sol e depois, por mais que me digam não, vou mergulhar de novo na água gelada corrente e novamente sentir o frio, a suavidade do arrepio e da falta de roupas, da liberdade.


Pouco me importa o adequado momento, não me venha com regras, rótulos, bulas, bússolas e convenções, contratos, medidas corretas e manuais corolários, vou concordar e discordar, vou me perder para me achar no moto contínuo de quem está na vida para sentir. Quem quiser venha comigo, vem. Já estou sem tempo para o que não interessa, para banalidades e falta de assunto.

Vou acordar às cinco horas da manhã para olhar o nada. Não vou nem dormir para acompanhar a sincronicidade - da infinita noite escura que me consumiu lentamente -com o amanhecer que desconheço e quase nem percebo quando aconteceu. Eu gosto muito.


Vou tomar conta da aurora fria e pensar que é minha, minha mágica, meu eu.

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