...Tem dias que o que eu mais queria era voltar para a barriga da minha mãe.
Sabe-se lá o que isso quer dizer além de medos, carências, colo...
Estou cansada.
Ando com os nervos estragados.
E não há nenhum fato incrível que me leve a esta constatação. São os acúmulos. Eu que já passei por sustos que me deixaram marcas na íris, estou fatigada com a indisfarçável falta de charme deste mundo.
O mundo é a casa de um cientista louco, onde tudo que você pensa pode existir e para além da imaginação, se o terrível não me chocar, me pego a elaborar uma plausível explicação. E me canso. Não há lógica para certos horrores. Eles incomodam porque refletem uma incapacidade ampliada, minha dificuldade para lidar com o mínimo. Espero que a filosofia, a literatura, o exercício do afeto - me salvem da inadequação, do constrangimento cotidiano que o superficial me causa. O mundo está desbotado. E mais assustador que a ausência de charme sabe ser o mau gosto.
Nem vou entrar no mérito! Outro dia talvez.
Como antídoto, preciso dos rituais, e a cada dia esta necessidade me põe mais esquisita, me deixa incontrolavelmente primitiva. É...primitiva e na contra mão, fora de certas condutas, por vezes ingênua, pois renego ter que descobrir o que não é mostrado - a vida como tradução ressentida e sem prazer. Onde foi parar o estilo, o detalhe, onde se escondeu o charme deste mundo?
Desejo o ritual. E desejar o ritual é recusar a imitação da vida. Quero a vida e não um código de barras, quero o inusitado e não a garantia morta, quero a piada fora de hora, a gafe, o improviso. Preciso do ritual para que ele me livre dos apegos e me eleve ao que é divino, para que me torne mais confiante nos meus dons, nas minhas virtudes e faça transparente a minha fraqueza. Preciso das fraquezas. Não me importo. O ritual me humaniza, me faz sentir a vida que existe na vida. A vida dentro. O fundo. A vida quente.
O amor é um ritual.
A amizade é um celeiro, é a fértil terra dos rituais de amor. Quem não entender isso que digo, não olhe nos meus olhos, não fale comigo, pois estou a procura dos lugares onde a vida existe.
Os rituais de amor. Os filhos, amores que alimento diariamente - com comida e sonhos - no mais atávico dos rituais. Sou das cavernas. Não sei muito bem. Sinto. Ensino o imponderável, reaprendo o que já sabia, estou a nadar na vida, não posso parar.
Uma vez no zoológico, os meninos pequenos, um deles recem-nascido, observávamos os gorilas, quando um funcionário me apontou a fêmea que adotara um filhote, aquele que sem a mãe biológica acabaria morrendo, deprimido, não me lembro claramente detalhes, sei que há uma relação entre cheiro materno e rejeição. No entanto os dois se entenderam e com o pequeno pendurado em seu corpo se fazia desfilar entre as enormes pedras do cativeiro. Eu sabia do que se tratava e não era ciência.
O que me parece é que a natureza é ampla, enigmática, poderosa. Tudo que é vivo surpreende. E o ritual é mais um modo de celebrar as surpresas.
Escrevi:
"Eu, como boa fêmea que sou, tenho instintos e não os nego, aceito e com satisfação os conservo, a todos. Quando o vejo, ele está sobre a cama e eu - como boa fêmea que sou – reajo, em um primeiro impulso quero lamber o peito nu, banhá-lo por inteiro, envolver seu corpo pequeno e inocente num balé de mãos, olhos, pele, e misterioso entendimento, quero banhá-lo, lamber a pele branca, as costas magras, os olhos ainda distantes, quero banhá-lo com a água benta da minha boca, protegê-lo e curá-lo, apresentá-lo ao mundo neste ritual que não aprendi, adivinho, tocar as mãos, tocar os pés e sentí-lo, como somente um animal pode fazer, com total irracionalidade."
Não era um sentimento, era uma crença.
Mostrei o texto para uma pessoa. Ela ficou muito empolgada e disse:
-(risos)
- Nossa, que erótico hein, qual é o foco, de onde você tirou isso?
- (...)
Não falei nada, fiquei até meio amuada. Desisti de explicar.
Hoje eu apenas diria:
- Ah, querida, erótica é a vida, é a vida.