segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Filosofia Dos Blocos ou Considerações sobre a Folia Pagã

O Carnaval me fez pensar, entre um bloco e outro, no sentido da sensualidade, na complexa teia do sexo e do desejo. Qual o nome do sentimento que me assaltou no meio da folia? Eu não sei, mas entendi. Entendi sobre o que eu desejo - no Carnaval e sempre. O Carnaval é catarse, o carnaval é carência, o Carnaval é liberdade de suar, beber, se jogar no mundo. A vida também.

E de repente, entre o Azeitona sem Caroço e o pula pula na Praça Santos Dumont, me pus a considerar o aspecto obscuro da minha relação com a Folia do Momo. Apesar de ser uma festa pagã o que senti foi a falta daquilo que move a sensualidade. Faltam detalhes, luxúria e adivinhação. É agua morna,falta de sedução. A obviedade sem nenhum charme. E eu que só queria um beijo meus caros, não encontrei, neste católico carnaval não sensual.

Somente beijos explícitos, que perdem o gosto, como a comida de um cozinheiro ansioso. Nenhum moralismo nesta afirmação. Muito pelo contrário. Eu queria que alguém me raptasse para um mundo de lasciva imaginação. Eu queria muitíssimo perder o rumo - me perder - na estrada fantástica do Carnaval, da tal festa pagã.

Eu queria beijos carregados daquela espécie de maldade que não machuca, uma maldade transcendental, repleta de percepção e sutilezas. Eu queria um beijo que me deixasse surpresa, com medo de mim, e sem ausências.

Eu procuro arte meus caros. Arte não acadêmica. Beijos são mistérios não revelados. Eu procuro os mistérios não revelados. O beijo precisa de arte, de senso criativo, precisa de alma e estética.
São tantas as cores, as texturas, os caminhos. São muitas as demoras e maior a intensidade.
O explicito é sem sal e cansativo. Não seduz, não provoca, não transforma.
E só o que for intimamente erótico pode transformar uma mulher. O que nos separa dos animais não é a inteligência mas o erotismo. A nossa arte mais humana.

Eu quero a arte meus caros. A não-acadêmica arte de beijar.
Impressionista.
Expressionista.
Surrealista.
Só minha arte de beijar.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Emoção De Toda a Vida

Eu chamo a vida para mim, aceno, e às vezes ela não obedece. Indomável, impermanente e difícil. É a surpresa e o susto do improviso. Vem, eu peço - me arrebata - ela gosta, e eu também.
A graça da vida é o presente aceito. A vida faz o que não foi feito, mostra o que o que não sabemos. Salta dos meus olhos, a inédita estréia dos dias, a aventura da dúvida, dia a dia me convida para a revolução do pensamento. E na busca, pelo direito de ser dona de mim, me rendo a um secreto mundo que borbulha no sangue, no pulso, na veia do meu pescoço. A vida, ainda que tranquila exige emoção. Então, de repente vem o tal susto, mora no diafragma este viver ofegante. Uma espécie de sentimento sem nome que trago na marca da minha íris, onde um pensamento são vários.
Sinto que a paixão é cansativa e do avesso, o amor é triste conceito que agoniza  se falta a emoção. Vive em mim o excêntrico amor que não conheço. É só emoção. Não nasceu, fecunda. Não vem do outro, está em mim. Abraça e não desdenha, agrega cuidadoso. Por vezes sofre pelos salões e segue maior e mais incontido. Não grita nos palanques, não propaga nas esquinas, lateja como um murmúrio, erótico e silencioso.

Eu a quero, emoção minha, com uma vontade insana, com mimos, carícias, palavras estranhas e risos, porque os acontecimentos passam mas eu guardo a poesia. E por saber única, a mantenho leve, e como se fora um experimento de ser sério e brincar,  ao montar um quebra-cabeça o mundo se mostrasse para mim. Estou a encaixar as peças e outro desenho aparece.
E nesta brincadeira, estou só, sou o mundo, sou outros e muitos. Um viver dentro, um viver para dentro, uma espera humilde. Sou a que vai até o rio beber daquela água muito brilhante, e ainda que não tenha sede a entorna pelo rosto, de forma a molhar a boca, apenas para sentir um gosto. Sou aquela que se despe e se banha nua e cumpre um ritual para que a felicidade se torne simples. Sou esta mulher que se rendeu sob o céu azul e límpido e nada mais fez além de se secar ao sol, sob o sol brando, e ao sentir a leve brisa na pele deitou-se displicente sobre uma pedra. Porém, como se sofresse uma febre, mergulhou no rio novamente e se entregou até o cansaço do corpo, até ficar diluída. Sou a que vestiu as roupas e estas lhe ficaram úmidas das águas novas e translúcidas.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Versos da Quarta-Feira de Cinzas

se eu fosse mesmo poeta, poeta de nascença, escreveria
na quarta feira de cinzas o poema do nosso carnaval
rimas simples de uma certa melancolia,
"tanto riso, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão..."

se eu fosse mesmo poeta, seria do tipo
doido
aquele que sabe mais do amor do que de si
e não é lá muito conhecedor de alegria

se eu fosse mesmo poeta, seria do tipo
confuso
que te procura - a te ver na multidão
em cada esquina no meio da folia

se eu fosse mesmo poeta
já teria feito versos de esperança infantil e perguntas
"quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo
que eu quero morrer no seu bloco,que eu quero me arder no seu fogo"

mas eu queria ser sambista, sambista inspirado e sem dicionário
uma marchinha ingênua e atrevida eu te daria
para cantar com cadência
no meio do povo, do alcool, da roupa colada
como naquele ano
do teu braço na minha cintura
e a mistura do teu gosto no meu

mas eu, sambista não sou,
não sou do teu carnaval
eu que não sei fazer marchinha
sou uma tentativa de refrão
"hoje está fazendo um ano e foi no carnaval que passou
que te abracei e te beijei meu amor"
Agora chega.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A Gentileza de Ser

Já escrevi muito sobre o afeto, que considero um sentimento perfeito. Já escrevi muito sobre amizade, que considero um sentimento maior do que o amor, mais generoso e completo.
Já escrevi algumas vezes sobre a gentileza, que antes de ser uma série de ações aprendidas, antes de ser um comportamento, é sim um modo de viver. Eu gosto de ser gentil, e me faz bem o exercício diário desse sentimento, dessa crença que me deixa preenchida.

É lindo o prazer de ser gentil. E o prazer de ser gentil abrange ações corriqueiras. É deixar o jantar do seu filho, do seu marido, do amigo que mora com você - preparado, mesmo se ele não pediu. É dar uma carona para alguém que mora fora do seu caminho. É falar baixo mesmo tendo razão. É calar quando a sua vontade maior é quebrar todos os cristais da prateleira. A gentileza é solitária, por vezes invisível, não deve esperar retorno.

Definitivamente, ser gentil nas emoções é difícil. Vivemos tempos medíocres onde a gentileza é facilmente renegada e confundida com tolice, parlemice, falta de tino, e pior do que tudo, fraqueza. Tenho considerado muito a gentileza de ser. A gentileza de ser é antes dizer, para si e para o mundo, eu sou, tu és, ele é. Aceitar. E aceitar é uma das formas maiores de ser gentil.

Eu sei que é preciso ter cuidado, e ficar atento, porque o mundo é cheio de crueldade. Mas não tem jeito e já expliquei: tenho convicções de emoção, não sirvo de paradigma social e sou, sou sim, excessiva.

"Chá com a Vilma"


"A paciência faz parte do meu caráter.
Sou do tipo que tem convicções de emoção, não sirvo de paradigma social.
A não-reação guarda a dignidade.
Sem arroubos, rasgos, lágrimas.
Risos, não mais como antes;
Histórias, não mais as minhas;
Amor, não mais aquele;"

A não reação guarda a dignidade. Reagir nem sempre é a melhor saída, é a pior maneira de se igualar. Reagir é ter que sair de quem eu sou e me transformar no que o outro quer que eu seja. Então vou apenas agir, sendo eu. E ser a gente mesmo nos leva à glória do preenchimento. A grande importância da gentileza está na pura desobrigação. Ser delicado por escolha é ser natural e consciente porque a gentileza é silenciosa.
E tenho gostado muito de me sentir inteira e preenchida ao ser gentil com quem não teve gentileza alguma comigo. Apenas me deixo ficar, repleta de compreensão e silêncio.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Banho, Ginastica e Café Preto

Outro dia me falaram de três coisas realmente essenciais - fora o dinheiro - este luxo básico. A menina, amiga de uma amiga, eu nunca mais encontrei mas a nossa identificação, que fez a noite valer a pena, começou com uma frase dita por ela na mesa do bar: - três coisas são importantíssimas na vida - banho pela manhã, ginástica e café preto. Sabedoria budista.

Sempre tentei praticar mas ainda não tinha esta clareza. E a clareza da menina me encantou. Eureca. Eu preciso da clareza de saber e de praticar. A paz de saber exatamente o que se quer, o que se necessita, o que se deseja. Três questões também fundamentais. Desejo, necessidade, querer. O tripé da confusão faz o terror na cabeça do ser humano que não se organiza na empreitada de viver. Quando minha nova amiga, entre o segundo ou o terceiro chopp, fez a revelação sobre suar o corpo, acordar o corpo e ligar a mente, roubei para minha vida a idéia de manter tal disciplina de modo a ser o remédio para acalmar o louco que mora em mim. O remédio é a clareza de todos os dias - banho de manhã, ginástica e café preto - é o saber sobre si.

Édipo Rei já nos disse tragicamente: - saber é poder. Édipo se torna escravo da arrogância, que não o deixa ver a realidade. Mata o pai, dorme com a mãe, enlouquece, fura os olhos, se auto flagela. Tirésias, o cego vidente sabe, prevê. O Rei a ele se rende.

Toda a estrutura do direito e da justiça nasce a partir desta frase. Saber é poder. O conhecimento dos fatos gera o poder mas a tragédia continua dentro da gente. Parece que não aprendemos que, do mesmo modo, o saber das emoções nos torna donos de nós.Poderosos em nosso reino interior.
Sobre o louco que mora aqui dentro, meu Édipo-Rei moderno, muitas são as histórias, fica para outro dia. Ele é o ser que carrego por aí. É o meu eu confuso, mimado, desesperado, por vezes irônico, medroso, que tem medo de si e dos outros. O meu eu, espécie de não eu - muito eu - que nem sempre tem a clareza sobre - querer, necessitar, desejar. No entanto, protejo e amparo, o meu eu louco. E subitamente - certos dias e certas noites deixo que ele me tome - quando estou cansada de pensar, cansada de ter certezas, entediada com a minha falta de coragem para ser feliz na vida.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Sonho de Uma Noite de Verão

quero saber quem
quem me fez banhada na timidez
de uma vida desatrevida
no pulso de um viver por dentro
e no fundo de uma noite inteira
ao teu lado ficar em cinema mudo

quero saber quem
quem foi que me fez deste jeito
no acanhamento sem descanso
com a vida colada na pele a sentir
os acontecimentos
as sensações
tuas, minhas e
do mundo à minha volta
somente trilhas sonoras

ah, pudera
na tímida e silenciosa vida
te seduzir na noite erma e quente
quando eu não fosse eu de verdade
ser apenas algo divino e sem paradoxo
te beijar, te fazer revirar os olhos


ah, pudera
raptar os teus sonhos nesta noite azul escura
e te seduzir na madrugada, na minha vida
te trazer para a minha solidão ardente
te dar aromas lilith de pele escura incandescente
eu poderia
não ser eu de verdade
sendo eu de verdade
sem temor algum te querer