quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Inventário

O inventário começa em 2007 e chega ao dia de hoje: trinta de dezembro de dois mil e nove. Respondo para quem um dia me perguntou se eu mudei desde então. Respondo o meu  inventário, em vida. Hoje é dia de olhar de frente e responder que sim, tudo mudou, e nada mudou - existem as transformações - para quem está realmente vivo é importante fazer a escolha de quem você quer ser. E viver, e morrer, a todo instante. Saber estar igual de modo diferente.

Quatro de Janeiro de Dois Mil e Sete

"Quatro de janeiro de dois mil e sete. Não vou escrever números, só palavras. Palavra, palavra-som, cheia de um inenarrável significado, palavra música clássica, incidental e inconsciente.

Poesia.aiseoP PoesiA.AiseoP.Poesia.

Escrevo as palavras com a voracidade de quem procura algo acima de, na profundidade, abaixo de, na escuridão maior, na tangente. É um jogo entre nós, a palavra nunca me alcança, porque eu preciso daquilo que não é, do que passa no acostamento, eu preciso do não significado. Eu preciso da palavra viva.
Procurar, procurar, verbo cheio de angustia e possibilidade...

Conheci uma vez um homem que era procurador de tesouros, quisera eu ser como ele ter o olhar distante, a pele queimada, pescador de histórias e do silêncio imortal do mar. Não quero objetos. Vou procurar a simplicidade, esta pequena pérola perdida.

Estou escrevendo o ano de dois mil e sete. Já ancorei nele. Começa a expedição.
Quisera eu acordar diferente no ano que começa. Alguém melhor do que até hoje fui e sem esta confusão de ser. Quisera estar resolvida. Ter esvaziado a bolsa dos velhos papeis, contas pagas, frases, o amor que não pediram, os mal entendidos e nas reticências colocar ponto final. Quisera eu não ter sentimentos maiores do que posso suportar, tê-los corretos acerca de, acerca do, baseado em, ser mais adequada a respeito de todas as decisões e que isso me trouxesse uma fleumática sensatez.
Quisera eu que o novo ano me limpasse o alvoroço da alma, o modo insensato de gostar e me trouxesse uma esperança em gotas, diariamente, para que ela nunca me faltasse e fosse me revirando as cismas e me levasse os recalques e fosse me curando devagarinho as tristezas, pois até mesmo das tristezas a gente pode sentir falta.

- Chega logo Ano Bom e me livra dos extremos, diz abra-te sésamo, para que eu possa entrar, me faça ser previsível e lógica, sem desatinos e insônias, e me dá novos olhos para enxergar o mundo que meu teimoso coração não quer.

Que eu tenha menos atitudes, mais lentidão e mais verdade, sem as enormes agitações do espírito. Sou paciente, é certo, mas tem um mar profundo em mim, um lugar onde minha respiração não alcança, onde ouço trombetas, onde o meu desejo mais recôndito é temer os mistérios e ao mesmo tempo desejá-los.

Vem dois mil e sete não estou presa a nenhum fado, penso, faço, sinto, mudo, no entanto, dentro de mim ainda mora um desespero oculto - dores que chorei e não passam - por isso mesmo viver não deve ser um ato medíocre, quero estar dentro da vida para que ela me viva, quero a vida como ela me quer: de todos as maneiras. Deixo que ela venha para aceitá-la complexa, finda e sobrenatural.
Dá-me tudo isso porque estou pronta, mas dá-me sobretudo um coração bondoso e compassivo onde as vidas possam encontrar abrigo."


Tinta de Dezembro de 2009.

Em mil novecentos e oitenta e nove, no dia trinta de Dezembro, estava sol, e no céu um azul muito claro, mas minha irmã faleceu, aos vinte e dois anos de idade e ao meu lado um bebê de quatro meses. Hoje acordei pensando nela, minha irmã. Muito embora não fique mais triste, uma saudade grande me pegou desprevenida. Senti uma alegria também, uma alegria boa e leve, como uma descoberta em segredo, daquelas que a gente só tem na infância. O que eu senti foi uma espécie de certeza íntima - se eu pudesse explicar diria que foi um momento de interseção, nada matemático, mais para metafísico, quando entre o passado e presente não há mais nenhuma lacuna. Não há espaço no tempo, nem dúvida. Nada ficou para trás, nem esquecido. Eu tive um momento, um momento de compreender pela emoção a perfeição ilógica da vida. Estou em mim e a vida também está. O mundo está dentro de mim.


A vida é um quadro impressionista - e eu que já escrevi sobre isso, senti agora a perfeição. A distância entre o borrão e a arte. Estou no passado mas sem melancolia. Ninguém se foi, ninguém se perdeu. Estão todos comigo. E tem algumas histórias que precisam contadas, com algum talento. Eu farei, sem temer, sem lamentar.
Quantas e quantas vezes em uma mesma vida as situações se repetem, como um filme que a todo momento retrocede? - Por favor, eu digo, nada de repetir cenas. Façamos sempre o melhor, mas façamos vontade. Eu não tenho vergonha da vida. Vou buscar o tom certo, vou deixar que ela me viva para que seja realmente minha.

O texto de 2007 diz muito sobre essas vidas dentro da vida. Eu sou muitas e serei ainda outras. Assumo de vez acontecimentos, o choro e o medo. Ah, o medo estraga a gente. Os recalques nos transformam em carrascos cínicos de nós mesmos. Dois mil e sete passou e levou devagar as minha tristezas, conforme pedi, e de algumas já nem sinto falta.
Que venha 2010, vou procurar tesouros!

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Eu Danço Sem Música

Foi sem querer que o amor chegou e logo fez rebuliço - e eu que não sou disso, nem sei o que dizer, eu sei que eu sei fazer poema e amor eu digo,
bem perto de você quando estou sem respirar eu suspiro;
E eu bem sei, eu sei que isso, a coisa do suspiro, pode me entregar, mas será que você sabe o que se passa,  quando eu te vejo - eu tenho medo - mas não me importo, eu não ligo.

Vem acordar junto comigo e vamos criar nossos filhos.
A vida não é a lógica grotesca é um sentir abençoado.
Vem sentir comigo o que não foi planejado.
A vida é o dificil que fica fácil, fácil.

Não, você não sabe, você não gosta de sambar, você não gosta dessas coisas doidas de não saber explicar,
onde está a lógica da arte, eu não sei, eu não sei,
eu sei que não preciso entender nem pensar.

A vida não é difícil deixa
que eu te ensino a ser diferente, a ser mais contente a não ter medo de errar.

É como o amor, amor que eu não sei dançar mas danço sem saber dançar a dança;
Eu gosto do jazz e do tango e tenho preguiça às vezes de pensar, então eu danço sozinha
eu danço sem saber dançar a dança que eu não sei dançar a dança que só eu sei dançar;

Vem, que eu seguro a sua mão e faço a música - enquanto a noite não amanhece.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Amor de LuXo

Amor feinho
Beleza tem sim
Pouca
Mas o sorriso, meu deus
E a boca,
Divinos


Amor feinho
Beleza tem sim
Pouca
De homem moderno
Algo antigo, terno
Despido confesso de toda armadilha


Tímido, estético
Lúdico o homem, eu quero
A tua arte
O teu recheio de talento


Amor feinho
Beleza tem sim
Pouca

E se o meu rosto encontra, sem querer
O traço naif do teu pescoço
Descanso
Só pode ser amor, feinho

Eu sei, eu sei, amor feliz
Daquele bem espontâneo



sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Eu sei

Eu estou não sei bem onde.
Eu estou não sei bem como.
Como eu estou não sei, não sei como.
Triste.
Triste.
Estou a sentir, um breu.
Um fundo sem fundo.
Uma noite.Um quarto escuro.Uma dor.
Eu sei.
Mas não sei como.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Eu Sou Claude Lévi-Strauss

Sonhei que eu era Claude Lévi-Strauss
Morava na Lapa em um sobrado de pé direito alto
E verdes eram as portas da minha casa
Verdes e de madeira as portas da minha casa
Abriam entre vales, veios de terra,
Universo paralelo feito de céu e bacia hidrográfica
As tribos,
Não eram tribos amazônicas
Eram como nós em outro espelho
Matriarcal e risonho
Não tinham muita fome, não tinham ânsia
Plantavam as sementes e depois comiam as pitangas
E fumavam as folhas para não esbanjar a natureza
Aproveitar
Como cigarros de palha
Como cigarros de palha
Que aquecem o plexo solar

Sonhei com essa luz intensa e natural
Era o sol simplesmente - e o bastante
Para me fazer sentir
O cientista nada maduro, o homem desprovido
A prontidão da vida

Eu encontrei o mundo em um outro
Entre as tribos que de tão iguais a mim
Havia o comum e a real
Sincronicidade
Quando eu sonhei que sonhava que eu era
Claude Lévi-Strauss

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O Homem Bom

Outro dia passei por uma descoberta a respeito do ser humano.
A respeito do que é humano. E não foi uma surpresa, nem um susto, foi uma percepção. Nem revolta, nem crítica me passaram pela cabeça, mas de outro modo me senti privilegiada naquele momento em que o detalhe, ou a ausência dele, fez toda a diferença. Eu presenciei o instante, em que a carne é carne, o ego é ego, o homem é homem, sem alma, rascunho de si, decalque.

Quantos de nós não conhece, de fato e na pele, o bizarro do homem? E a maioria sabe narrar fatos engraçados, impensáveis, do grotesco ao cruel. Afinal, já diz o ditado: "o ser humano não falha..."

Pois então, eu digo que conheci um homem bom. E vi um homem bom deixar de sê-lo. O homem bom teve uma fraqueza. E eu vi este instante, o momento em que nos olhos dele já não havia mais nada, o segundo em que ele abandonou a sua bondade. E me perguntei se o homem bom era demasiado fraco, de tal modo e tanto, que não saberia ser outra coisa, que não fosse o dever de ser bom.
E eu tive dúvida a respeito da bondade dele, e da minha às vezes pouca, e de todo este conceito humano de ser bom.
E agora fico a pensar, e desejo que meus anjos não sejam tão anjos, e me guiem com sabedoria, e arranquem de mim esta bondade ruim. Talvez o ruim sem maquiagem possa ser bom. Triste foi ver - sentir - a bondade do homem fraco.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Meio Soneto

é apenas equívoco o que parece amor
o minuto de tremor
é apenas suspiro inadequado
pois o gozo do fim é a óbvia morte do amor

pois não é afeto aquele sorriso
apenas engano, mal entendido
o equívoco que parece amor

e se queres mais mais não faça
o mínimo se dê, o mínimo agrada
ao amor que se disfarça

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Fome

este texto já foi publicado no saudoso TLFC






Certeza minha, convicção infinita, quero comer o tempo.
Quero a arte do mundo, quero que a vida me queime na inspiração ofegante, nos vinhos escuros e intensos
Nos sabores extremos

Quero tudo isso muito sem ordem de preferência
Surpresa doce e salgada, respiração parada

Sentir a vida como o vento
A balançar meu cabelo, eu quero, a maravilha
Quente, frio, seco, rasgada
A vida no meu rosto irrestrita

A vida é o filho que fecundei com o tempo
Ela está resignada passando, passando como o vento
Com o tempo não tem amor, é sexo violento,
Carnal, brusco, sem sentimento

A vida é força primitiva criada pela vontade
Dentro de mim uma mola, eu reproduzindo, ela nascendo
Quero botar fogo na vida
E depois nada mais terei a explicar

O tempo não é meu amigo, ele quer me comer
E eu, eu já resolvi que vou deixar
Porque vou comer o tempo com minha fome imensa
Vou deixar que ele venha

porque sei que no fim ele quer o meu bem
E o bem pode estar no que a gente não entende

A vida é mãe, o tempo é pai, eu sou o filho problemático
Meu pai me encoraja a comê-lo, me encoraja a corrompê-lo
Ele me diz que jamais será meu aliado mas não devo temer
Eles me ensinam a desejá-los com todas as forças,
Sem nenhuma moral, esta coisa de acorrentados

Vou fazer sexo com meu pai e a loucura engrandecerá minha mãe.

Eles me encorajam a seduzi-los
Eles me ordenam: é uma necessidade da existência
Vou fazer amor com minha mãe com muita delicadeza e emoções sobrenaturais
Vou fazer sexo com meu pai e vou parir a vida

O mundo existe pelo incesto.

Vou fazer sexo com meu pai
Vou fazer amor com minha mãe
Qual o tamanho da liberdade?

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Fantasias de Mãe

Estou com quarenta e dois anos – e me pego a pensar como cheguei até aqui. Eu fiz três filhos, li muitos livros, mas não ainda o bastante. Ainda sou muito ignorante. Perdi dinheiro, chorei meus mortos, minhas mortes, resignei. Estou aqui. Aquelas outras, as mortes em vida, me levaram um pedaço, sobrevivi. 
Estou aqui.
A um único e sincero amor me dei, deixou os filhos, convicção na vida, coragem. 
Estou aqui.

De quantas vidas eu tivesse - e se muitas vidas vivesse - só os filhos me dariam um lugar no mundo. Porque eu não os fiz, eles sim me fizeram. Eu não acredito em maternidade nata, eu acredito em vontade, em prazer, em aventura. E a aventura de ser mãe a nenhuma outra se compara.

O amor entre a mãe e seu filho não é herdado, é construído. E todo dia desconstruído. É feito de muitos mistérios que nos cabem decifrar. É feito de determinação. O amor de uma mãe e seu filho é a crença de que existe alguém que vai de fato te fazer humana, e divina, porque te coloca na linha invisível do poder absoluto.

No entanto, aquela pessoa desprotegida não é tua e nem nunca será. Ela  pode pensar e sentir em outro tom. A educação não adestra, é a maquiagem para o mundo. E o amor é esta aceitação consciente da diferença. O amor de mãe se desconstrói a todo instante, não para criar um outro ser, mas para  esculpir a forma original. É preciso mãos delicadas e fortes para transformar o contorno mais difícil no mais belo.

Eu me torno mãe quando aprendo mais do que ensino. Ensino o básico, o humano. Ensino sendo os meus filhos cobaias do meu poder. Em busca do poder de observação e doçura, que vem antes da ordem. Tem que fazer valer, valer a pena, eu preciso da aventura artistica na maternidade.


Firmeza no essencial para que nasça o bom gênio e o caráter digno. Muita prudência e canja de galinha. Ninguém ama gratuitamente direto do ventre, ninguém nasce com etiqueta e com marca de propriedade. Ter filho não é ter boiada, pois cada ser é maravilhosamente único. É trabalho árduo resistir ao caminho mais fácil - do que é ruim mas conhecido - é cansativo não ceder ao conforto da hipocrisia. É duro apostar no escuro da intuição. Lidar com a insegurança de não ter certezas, dizer não ao todomundofaz que volta e meia quis carimbar meus filhos.

Por outro lado o amor sabe ser enérgico como ninguém. Porque antes do grito ele medita na ação. Desconstruir o amor é repensar estruturas milenares - é também não saber. O não sei pode ser mais eficiente do que a certeza. Não saber direito o caminho do mundo, buscar o mundo que se quer. Não ter respostas é criar outras tantas novas. Reinventar. Permitir a descoberta, romper o cabresto. Ensinar a beleza da mudança, a possibilidade da adaptação - e que tudo se torna possível na tradição da ruptura. Romper sim, mas com elegância.

O amor de mãe é a necessidade de fazer aquela criatura, vazia e recém-nascida, te pertencer por liberdade, por emoção. Reconheço como verdade que o colo da mãe aquele que serve tantas vezes de consolo e restauro, é o filho quem aquece. 


Como um jardineiro incansável cuida da terra - aduba, protege e espera - também as mães dão aos seus filhos a poda amorosa e a massa afetiva, feitas desde cedo de alegria, erros sinceros, desconstrução e recomeços.

Porque quando eu não estiver mais por aqui eles ainda estarão comigo pelo resto da vida.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Dialeto Silencioso

(depois do joão pedro zappa, http://joizappa.blogspot.com/ vejam só)

se eu te dissesse das coisas que não consegui quando deveria
dos meus dias tristonhos, dos meus dias de anestesia
o desencanto que sinto
e da vida em banho-maria

se eu te dissesse das coisas que não consegui quando deveria
contaria sobre os meus dias feitos de acordar e dormir
e os descaminhos
da vida que poderia ter sido e não foi

não foi,não foi,não foi
seguiu,seguiu,seguiu

se eu te dissesse que tola imaginei
as palavras que eu te daria
o dialeto silencioso do amor
imagina, imagina
não seriam feitos de ficção estes meus dias
se eu pudesse te dizer o que não consegui quando deveria

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Diálogo Amoroso


Porque o poeta, ou aquele que escreve, é uma testemunha.
Testemunha com o olhar cheio de cores e sentimentos próprios.
Porque o diálogo amoroso não foi preciso criar, veio pronto.
Simples, sincero, real.
Eis aqui.

estou passando mal de tanto passar bem
eu passo mal
de tanto passar bem
passando mal
de tanto passar bem
hipnotizada por você

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Vento e a Brisa ou Palavras Para Um Poema Sensorial


Você
folha pequena que o vento arrasta e a brisa acalma
folha e brisa e tempo e vida
terra escura pântano e água
lótus
raiz hidrográfica
azul marrom dourado
raios em chuva ardente
a tardezinha e o orvalho
vento ventania neblina
mangue adormecido sussurro
madrugada
verde veludo
água doce lua amarela
alvorada

Você

pedra quente sol a pino
cachoeira água gelada pedra de rio
tronco largo e sombra e copa alta
o mar profundo
o mistério rascante
espuma salgada branca
vaivem vaivem vaivem
movimento da maré vazante
duna areia fina e pedreira
campo limpo intocado
o deserto
meio dia seis da tarde cinco da manhã
silêncio
fim do dia sonho


Você
sol mergulhado em meus olhos

sábado, 4 de julho de 2009

Lista Amiga do Luxo



almoçar, ao fim do dia, no restaurante do Toni, depois esticar na cobal, falar de literatura, música, dos outros patrícios, com aquele acento libanês no sotaque - mas ele não me convida faz tempo, ai esse rapaz;


ficar katifunda com a Raki, Rachelamm, Raichell,lembrando nossas aventuras, nosso amor pela arte naif, e ouvindo a loura falar que me essstimaaa muito; estima? Só ela mesmo...a pessoa capaz de tirar palavras do fundo do baú, e falar tudo de trás pra frente...ah, como esquecer as batatas com alecrim, com extra de pimenta e azeite - só faço para ela e ninguem mais, nem sob tortura!!!


encontrar a outra Lamm, a Ana Maria, ao acaso, e bater papo com a musa de todas as turmas - aquela que tem mel - e ter certeza que se trata realmente de uma princesa, com it comprovado, pois fica total à vontade num buteco da rua Duvivier;


dançar o samba das gafieiras com meu amigo Rob, ouvir Maria Bethânia, dançar Guantanamera no bar dos hippies bolivianos, beijar meu amigo Rob e depois ver o dia amanhecer feliz;


rir, gargalhar, sem parar com Andresa, companheira do sal da vida, fazer música e me emocionar com o marido dela - o meu querido d'alma Mr. Clower Curtis;


Ananda, amiga de luxo, para aquelas horas de papos sem fim, e caixinhas de madeira depois do jantar - só com ela, só com ela todos os papos do mundo;


ver novela com a Renatinha, minha irmã caçula, que hoje me dá lição de moral e ensinamentos que custo a entender - e quase nunca obedeço - enquanto chegam as agregadas e a cerveja gelada em grito uníssono:- chama o boy!!!
nestes dias lembrar as histórias do passado, e as do presente com urgência; nomear os mil apelidos que Rênata inventa, além de outras coisitas mais;


ali, no apartamento 308, todo mundo conta caso, e tem cada uma seu lugar marcado; tem a marketeira-psicóloga Cynthia - deste jeito mesmo com ipisilone e teagá - o que já rendeu um codinome muito bom...com quem faço análise bhramallis - ela, no seu sofá-trono exclusivo, e eu à sua direita; Cynthia, também conhecida com Sandy, sabe dar bronca como ninguém!!! Ai, aquele Samba na Mangueira...


no 308 todo mundo dá palpite e há solução para qualquer problema;


tem a Cláudia, com olhos azuis a La Cardinale, sentada no pufe branco que é só dela; conhecida também como Cleyde, traz dúvidas, risadas, novas emoções ao local - ela analisa as questões por ângulos próprios e me deixa tão aliviada com suas conclusões, que ficamos cheias de lágrimas no final;


correr na praia com a Linda, depois o mar...muito embora ela corra mais do que eu e nunca se canse, um dia eu consigo tamanha disposição!!!


Raquel, quel, quel - minha parceira de chuva e pés descalços; amiga inusitada, que encontrei na Lapa e veio para ficar, rainha da literatura, da poesia, amores confusos, performaces incriveis, atriz, pois a qualquer momento vem a pergunta: porque a gente é assim?


jantares e churrasquinho europeu no terraço do meu amigo Lord Jayme, grande encontro, meu Dr.preferido, Jaymito com seus olhos de azul brilhante e seu charme de palavras belas, culto e sensivel e um sotaque paulistano que eu adoro;


meus garotos: George com sua música, sua timidez e palhaçadas estranhas que nos fazem rir; Cris, meu menino homem, de olhos lindos, tão forte, decidido e grande, a quem eu gosto de cobrir as pernas na madrugada; Clarice, a mais bonita e engraçada de todas, absolutamente autêntica - tanto que não tem medo de ser bizarra - e a única que aguenta,entende,o meu mau humor;


Vana, para todas as horas recomendo, libanesa, cheia de fogo e irreverência, que me faz rir demais com suas gírias do Mato Grosso do Sul;


Ah...aquele Japa com a Isabella, bela, minha amiga antenada, por demais inteligente e resolvida, aquela que me põe a par do que acontece nas noites cariocas e da geração recém-nascida - porque é ótimo estar por dentro e não querer jamais envelhecer o pensamento- com quem tomei tequila pela primeira vez e quero repetir!!! Será que pode? Ah,pode...


Tem alguém especial, amiga de amor, amiga, com quem aprendo sobre o desenrolar da vida, quem me ensina a sentir mais do entender, Vilma querida com quem gosto de tomar chá, chimarrão, na verdade o que ela quiser, a qualquer momento...o que me faz lembrar com alegria da Margareth, nossa amiga de Juiz de Fora, do Rio de Janeiro, do Mundo, enfim nosso orgulho:competente, engenheira - e toda toda e toda boa;


além de tudo isso, tenho outros prazeres na vida:
ficar em casa com meus filhos; ler e ouvir música, muita música; abraçar meus amigos e ligar para eles; chorar nos filmes; assistir aos filmes de manhã logo que acordo;
o que eu amo:os amigos dos meninos aqui em casa com muita conversa interessante, saraus até de madrugada - e eu aprendendo, aprendo, aprendo: andré, julinha, dudu, rodrigão,às vezes luíza, às vezes flora, dani, todos os pedros, lourenço, e os que mais vierem serão benvindos;

Conhecer novas idéias, possibilidades, viajar por lugares e nas pessoas, ir aos museus, aprender coisas novas, estudar, escrever...e aquele primeiro cigarrinho que se acende depois do segundo chopp é gostoso demais...não é politicamente correto, mas o fato é que sempre fui politicamente eu;
Como diz a garota Clarice:- tá conversando com seus pensamentos???


Eu sou assim. Normal, humana, naif, alías o naif foi a Raki quem disse;

E, a propósito, tem o objeto de luxo que guardo mas não confesso, ele existe - luxuosíssimo - existe em mim, mas eu não escrevo, não conto, eu amo!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Métrica Desiludida







Tem dias que a vida não cabe no soneto
não encaixa a vida no reles verso curto.
Não é possível nem na frase que não se soube dizer.
Em coisa alguma a vida já não cabe.

Amigo me perdoe se tem dias que o verso
que o verso é que não cabe na vida,
na falta da métrica,na palavra que não se soube dizer.

Às vezes é assim,
não coube a vida em coisa alguma,
em mim, em você,
nem mesmo em uma canção desafinada.

Tem dias em que a poesia não cabe na vida
que se deixou para amanhã, aquela
que se deixou para depois do depois do depois
e por simplesmente não se saber fazer
nada se fez.

E tem os dias extraordianários
excêntrica poesia existe nestes dias
quando já não cabe nada em coisa alguma.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Labirinto







...perder perder encontrar encontrar
vem comigo entra no labirinto
o labirinto é belo

o meu reino secreto
vem comigo perder para encontrar
perder para nascer dentro do labirinto
onde todos os caminhos são bons e nossos

mas é preciso antes perder para achar
é preciso perder perder para encontrar
sem medo
me dá a mão e te levo
deixa eu te mostrar como o labirinto é belo
vem comigo e digo

no meu reino, no labirinto
não tem medo
olha,
os jardins,
a cor, o calor, a
música, a paz
no lugar onde te guardei
vem se perder sem medo

- vem que eu tenho uma bússola,
para se achar para se perder...

domingo, 14 de junho de 2009

No Colo do Amor Impermanente








A flecha envenenada do ciúme fincada na minha garganta me tira o ar.
Estanco a dor a fingir que nada me feriu.
Negro e fétido é o ciúme quando me faz vibrar nas costelas o ar que nao tenho para respirar.
Picada de cobra é o ciúme.
O ciúme é o veneno que me rasga as veias e no silêncio me ponho a sofrer.
Você não sabe, nem nunca vai saber, do ciúme que me corroi, me deixa séria e vazia.
É na veia do pescoço que o ciúme me dói mas eu espero.
Faço pequena incisão ali onde a veia explode. E te peço:
- Vem, cura-me...
E o veneno não me faz mal, faz mágica.
Porque eu que sou feita de amor te sirvo
Ao invés de perguntas tolas, beijos
E ao invés de palavras duras, coisa de mulher insegura,
Te dou meus olhos para te mostrar o mundo,
Risos dias felizes liberdade vontade sonhos doçura minha e tua
Nada de ciúme, antes o colo amor, o desapego
Desapego tão forte de querer-te por dentro,
O que posso dar a mais do que o tudo que tenho
O maior amor do mundo amor
Feito desta vida impermanente

Estendo as mãos, sou tua, só tua.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Sol da Meia-Noite




Eu queria poder te contar coisas, coisas que descobri sem querer, no estalo, como dizem por aí. E te dizer daquelas que aprendi no tempo, na solidão e no meu próprio tumulto. Queria poder te ligar, te encontrar de repente, só para revelar que descobri - acima de tudo - a graça da vida, a beleza dos detalhes. O belo está no detalhe. Dos objetos, das pessoas, do gesto, das histórias.

Eu bem sei que tudo já foi dito. Mesmo isso de escrever que tudo já foi dito, já foi escrito. Estamos em uma conhecida repetição. Façamos direito, sejamos autênticos. É decisão nossa onde colocar o detalhe. E ele nos libertará.  Estou certa de que a vida de uma pessoa se define muito mais no detalhe,  do que nos grandes feitos. Porque tanto as gentilezas quanto o amargor podem mudar o rumo de uma história.

Por isso, eu queria te contar sobre as minhas pequenas jóias, vivências sobre as quais não se dá importância. Eu descobri que nem todo fim é marcado por tragédia  e  até  na tristeza pode haver compreensão, entendimento. O antes do fim, o antes do fim é intenso, é uma canção de amor, um lamento apaixonado, digno. O antes do fim é feito de fenômenos,  orgasmos, beleza, noites brancas. E depois - tudo bem - algum sofrimento e choro.

Queria te ligar, mas às vezes é dificil, é estranho te falar sobre os detalhes - e sobre esta descoberta que ao mundo parece irrelevante mas para mim, faz todo o sentido do mundo. E gosto de pensar que serei bem-vinda, amorosamente bem-vinda, porque é muito este pouco que tenho para te dar.

Quero te dizer que existe ciência nas coisas independente da nossa vontade e que a vontade, que nos faz desejar incondicionalmente, é fundamental mas não é ciência de fato, é ciência íntima. Quando o telefone tocar, você vai atender, vou te convidar para um café, depois me sentarei à sua frente e te falarei sobre o Sol da Meia-Noite, o maravilhoso crepúsculo. O antes do fim é o Sol da Meia-Noite repleto de arrebatamento e clamor quando o sol não se põe durante - e até - noventa e cinco horas.

Quero ir à Finlândia, para recostada numa espreguiçadeira de madeira, comer um sanduíche de salmão, enquanto assisto sem pressa ao pôr do sol. Depois, vou descansar a minha mão sobre a tua nesta hora, quando qualquer palavra se tornará imprópria.

Vou viver os detalhes, os mínimos detalhes da cena, sentindo a eternidade de noventa e cinco horas.  
Eu nunca fui à Finlândia e nunca vi o Sol da Meia-noite.
Eu só conheço você e eu.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Chá Com a Vilma






Dominicalmente, o jogo de futebol segue, enquanto sem paciência para a rotina da televisão, assisto ao filme do Pasolini, que potencializa meu humor soturno.
Escrevo a desejar que logo escureça o dia sem as cenas do proximo capitulo. Não tenho motivos nem para falar. Minha vontade fugiu e deixou outro alguém no meu lugar.
Não vou forçar a vida. Não vou forçar o sentimento.
Vou tomar chá com a Vilma e explicar à ela certas descobertas.
Poda. Espera. Floração.
A paciência faz parte do meu caráter.
Sou do tipo que tem convicções de emoção, não sirvo de paradigma social.
A não-reação guarda a dignidade.
Sem arroubos, rasgos, lágrimas.
Risos, não mais como antes;
Histórias, não mais as minhs;
Amor, não mais aquele;
Hoje já é quarta-feira e dominicalmente o jogo de futebol segue.
Vou tomar chá com a Vilma e explicar à ela tudo que aprendi sobre o ponto e vírgula;

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Os Deuses do Teatro ou Pequenas Orações sem Nenhuma Edição







Sento na poltrona, me ajeito, respiro. As luzes se apagam. Começa a peça. Começa a vida.
Dentro do teatro, no escuro do teatro, me recomponho. Tudo dentro de mim se reorganiza e desorganiza e encontra ordem.
O cinema. O cinema também adoro. Mas o cinema é sonho. O teatro é necessidade, é cura. É norte. É a compreensão do caos. Eu saio do caos dentro do teatro. No teatro não há mentira. Já entendi minha vida, muitas e muitas vezes dentro de um teatro. Lá onde os Deuses vivem, repousam. E não há jogos.
Quem acha que a existência se acomoda na poltrona está em outra perspectiva, ainda está cego. No teatro não há representação, não há paredes, não há máscaras.
As máscaras teatrais são vivas. Enquanto na feira da realidade distribuimos a nossa mais sincera persona. A caricatura de nós está além das portas do teatro. O ator canastrão atua fora dos palcos.
A vida está no teatro, a vida está onde tudo é real. Ainda que pensem o inverso.
No escuro, no silêncio antes do inicio, na primeira luz, na primeira voz, na palavra, no gesto: os Deuses estão presentes soprando a vida. O homem será mostrado. Ali, onde todas as coisas são ditas. E assim deve ser, na vida. O ator genuíno nos mostra o espelho patético, o avesso, a costura por dentro, não consegue ser um mentiroso. Porque ele precisa da verdade das coisas por dizer. Porque ele não recita, vive. Simplesmente.
O ator é a voz de Deus. Deus está ali na poeira que levanta com a luz, está na cortina, na mágica da expressão do que é humano. Ali, misturado à poeira o belo, o ruim, o perverso e estranho devem ser assumidos. O humano é exposto em território livre. No templo sem dogmas. Onde as coisas todas somos nós, onde as palavra, o gesto e a imperceptivel pausa preenchem todos os espaços, intoxicam o ar que iremos respirar.
É o limite sem limite de possibilidades.
O Teatro está revestido desta energia que nós expoe, por dentro, por fora, no inteiro e no resto, na confusão e na clareza. É um oráculo, um olho sem fronteiras, caminho para a legitimidade da existência.
Dentro do teatro, no escuro do teatro, tudo em nós é divino e humano. Em volta de uma platéia ou totalmente sozinhos, afundados na cadeira, somos pequenos e grandiosos, somos deuses vivos.
O Teatro nos redime, nos perdoa de nós, por nós.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Quando Não Somos Nós







Outro dia sonhei um sonho, desses sonhos de realidade superlativa.
Sonhava que você não era quem você é e nem mesmo eu me reconhecia.
Ao te encontrar tive uma emoção estranha, um desgosto.
E o sonho era isso: uma angústia comigo e com você dentro.
No sonho senti uma dor de cabeça,havia uma alegria fútil nos seus olhos e em mim uma tristeza Oculta que me fazia mal.
Mas depois achei normal já que eu não era eu,você não era você.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Revolução






Revolução.
Qual o tempo dela existir?
Sempre. Hoje. Agora.

Não penso mais na revolução que remete às questões grandiosas, aos heróis da massa ou às mudanças que viriam com os mártires.Na verdade, nunca acreditei muito nisso mas me calava por temer o açoite das rodas pensantes.
Como quase aconteceu quando a menina me falava de comunismo, Cuba, ditadura, Fidel, democracia. Me senti cansada, meio antiga, ou ela jovem demais, nem sei.Tentei falar, juro, tentei. Não consegui.

A revolução que hoje acredito, e acho possível, é a do indivíduo, revolução invisível.Diariamente.
Ser mais generoso.Dizer não para a velha história da farinha pouca meu pirão primeiro.
Não compactuar com atitudes que fazem a rotina mais triste, mais medíocre.
Dizer sim para a gentileza. Ensinar e ouvir. Ouvir muito.

Todo dia eu luto para conseguir ser mais acolhedora, menos julgadora, comigo e com os outros. Todos os dias ser livre.
Porque é nesta liberdade onde vou descansar. Preciso criá-la nas mínimas coisas. E não é fácil.Todos os dias a revolução acontece porque existe um tirano dentro de mim, um tirano muito charmoso, que quer se perpetuar e eu não deixo.Todos os dias penso que o meu pequeno feudo necessita de novos ares e direções. Mudanças. Todos os dias a revolução.

Acredito na mudança estética, na mudança ética. Acredito no indivíduo artístico, no homem lúdico.

É preciso persistência para se quebrar regras, comportamentos que se repetem há séculos.Ser mais compassivo e menos carnívoro, não apenas com comida. Na vida. No sexo. Nas relações amorosas, que têm de tudo, mas pouco do amor. E todos os dias a revolução deste amor que nada tem dos românticos. É maior.Feito do desapego, feito de uma alegria que só pode existir quando respira, só existe se for livre e nova. Eu quero menos ego e mais prazer. Sempre. Não só no corpo. Na vida.

Todos os dias a árdua tarefa de se reinventar. Na prática.
Cavar, alimentar o prazer em si mesmo, e construir um desejo criativo sem amarras. Todos os dias a revolução. Em mim. Nos outros.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Substancia Química






Dia desses dei por mim, e mais atenta, percebi que não estou sozinha.
Um “nãoseioquê” sem procedência se instalou serenamente bem perto do meu coração, em frente, do lado oposto. E como se fora um vizinho curioso, que nos fins de tarde descansa os braços sobre o balcão, a saudade me vigia, e fica a deitar olhos no burburinho da minha emoção.
A saudade é vazia. É a leveza de uma folha – mas não é a folha – não é concreta, é o bailado a fazer e desfazer ao vento. A saudade é um déjà vu que me pega pela mão, me põe um exagero na alma e me faz desejar um substrato anterior ao pensamento, um sentir antes do que foi sentido.
A Saudade é cheia. É a necessidade de capturar o momento, é um tino, vontade que me impulsiona em direção à ilusória e diversa repetição da vida. A saudade é um sonho aguardado na forma de uma promessa. Ela é plena. Mas não tenho saudade do que possuí, daqueles a quem amei e se foram, dos pedaços da vida que eu construí.
Na saudade não se perde, nunca. Há sim, o que encontrar.
Não há o que perder se amei, entreguei, se pertenci - tudo é contínuo na emoção. Amei, entreguei, pertenci, e recebi o eterno gravado como uma lembrança. Saudade, sentimento íntimo sem tradução. Não é boa, nem ruim, se aloja no vão entre o que penso e o que sinto, é uma tristeza dócil que quando anoitece se esconde no copo do vinho mais escuro, na alegria entre os amigos, no modo estreito de sorrir...
Ninguém a vê, mas na madrugada ela me veste, como um cobertor gasto me cobre e me deixa um frio incômodo a subir pelas pernas. Ela dorme comigo,ela me tira o sono: pertubadora, exagerada, inconformada.
No entanto, meu pensamento lógico argumenta, briga, tenta me libertar, mas no fim vence o aposto: - luta inglória, odisséia.Estou em operação de resgate e me organizo sem muito alarde de modo a acalmar o sentimento. Ajo, enquanto o dia corre, apoiada na normalidade de cumprir os afazeres que a vida me impõe.Distraio a tal saudade de nove às cinco, burocraticamente, enquanto ganho tostões, falo muito, faço serões e, não satisfeita, passo a suborná-la com música, poesia e pensamentos mirabolantes.
Modestamente vou, a cuidar de um viver paralelo – coisa esquisita que nem mesmo sei nomear – sigo em frente aparando com muita calma e desvelo o excesso de sentimento que transbordou às beiras e anda a escorrer pela casa. Sou feita desta substância que me preenche os intervalos, me faz rompente e viva, e me apraz que aos olhos meus seja possível apreender o mundo sob a ótica da irrealidade - do sonho - e pouco me importam as dificuldades que me causa ser excessiva.
Sofro e adoro, nem sempre nessa ordem, quase nunca com a mesma intensidade. Mas a realidade vem e eu a uso desta maneira revirada e fico a torcê-la pois a quero sob medida para o meu tamanho.A coloco neste caldeirão de substâncias minhas enquanto cuido do paralelo.E, se o faço, faço de modo cauteloso, com o se fora uma atitude preventiva, como um convalescente frágil precisa que mesmo as forças o tomem devagar, sem grandes sustos. E, se o faço, faço de modo prático para que eu possa acordar com o corpo disposto e, no meu caminhar rotineiro de todas as manhãs, preparar o café preto e tomá-lo quente e puro. Sozinha.
E ainda estirada sobre a cama, a olhar o céu róseo se misturando ao azul, sorvo a coragem nos goles lentos e quentes do café, ao qual sinto extremamente amargo, mas gosto, e peço ânimo para o restante das horas deste dia que hei de descobrir. Saboreio a aurora de incertezas.Estou ainda a sonhar enquanto a claridade colorida da manhã se derrama sobre a minha cama. Não demora que eu me vá embora, movida pela firmeza de levantar a vida e reinventar as próximas vinte e quatro horas. Dentro de mim não há nuvens, os dias estão quentes, ainda sou a mesma, mas ouçam que aquele burburinho permanece, e próximo ao coração há também um rebuliço...

...é esta tal Saudade a mexer comigo...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Dança Sozinha no Salão






Dança Sozinha no Salão
(george neto)

De repente, vi tudo indo embora
Foste indo porta afora
Sem ao menos me explicar

Escapaste feito água
E eu que não sou pedra, guardo mágoa
Só ficou desilusão

Virou deserto o que era estrada
Virou secreta o que era declarada {refrão}
A verdade desmanchada pelo chão

Virou esteira o que era escada
Virou grosseira o que era delicada
A verdade arrasada pelo chão

Dança sozinha, a verdade, no salão

sexta-feira, 27 de março de 2009

Dia Vinte e Nove

Dia Vinte e Nove de Março de dois mil e nove
Poderia ser uma data para lembrar
Que uma data pode ter a gente dentro
E guardar uma história

Contudo Dia Vinte e Nove

será um dia comum para comer nhoque
Da sorte em alguma cantina do bairro de Copacabana

Com sabedoria astral de que o novo ano astrológico 
Começou no dia Vinte de Março
E eu que não entendo nada de nada

Só posso dizer que sim,
Minha vida mudou e não compreendo
O momento presente que ainda está por acontecer
A vida está em recesso, a esperar pelo nhoque da fortuna

No dia Vinte e Nove de Março
O Outono,
O Outono
Sopra no rosto
Vou abrir um vinho ouvir jazz acender velas
E tomara possa sorrir
Enquanto espero pelo nhoque que ainda não comi

terça-feira, 24 de março de 2009

Sem Eu

Hoje quem vai falar é alguém que não tem nome.
Tudo bem sou eu. Mas sou eu que não sabe ser tão comportado, um ser sem remédio e manual de instruções. Sou eu do lado da costura, do alinhavo.
Existe sim, e está vivo um alguém que não sou, e me perturba, me chateia, me azucrina. Ele vem de uma daquelas casas remotas do meu mapa astral confuso. Irreverente, audacioso, sem medida, vive a se misturar com o que há de mais indomável em mim. Faz arruaça na ordem, no silêncio. Grita. Ele gosta do porão astral das casas do meu zodíaco. Tenho paixão por ele - devo confessar - com aquele jeito sem medo, que me diz: - o que é que há Cristiane, o que é que há...
Sim, ele gosta de repetir as frases e me chamar de Cristiane, para não me deixar na dúvida, de que é a minha vez de entrar em cena, e  para me acordar da letargia da vida bem acabada. Ele não tem um pingo de paciência, ele não tem nenhuma decência.
O meu não-eu é simples. O meu não-eu não tem histórias, tem atitudes. Vivo, cético, abusado. Ora feliz, ora colérico.  Anda a bagunçar tudo em volta, a fazer redemoinhos no meu estômago, a me incomodar - querendo minha voz em tom mais alto.
O meu não-eu não é educado. Está com raiva. Anda a revirar mesas e a quebrar vidros, os objetos frágeis dentro mim. Destrambelhado e arredio, passa muito tempo a me desarrumar. É ele quem não gosta de ponto final nas frases, tem horror às vírgulas, e tem enjoos com as reticências - estas, nem em pensamento. O ponto e vírgula acha charmoso porque quase ninguém sabe usar, pontuação com um quê de incógnita. Sim, ele gosta dos mistérios, mas não apenas para apreciar, é para mergulhar, mergulhar, até o fim. Até dizer chega.
O meu não-eu não se intimida, a vida é uma farsa sem mentiras, uma brincadeira séria e sem remorsos. O meu não-eu me ama e quer tomar conta de mim. E eu até que deixo às vezes, e logo depois me arrependo. Ele me diz para não ter medo. Que eu seja como ele: valente, sem mágoa, sem ilusão.
Serei.

quarta-feira, 18 de março de 2009

O Trivial Sem Luxo

Trocar as "Cartas de Amor Ridículas" por memorandos, os recados cifrados com afeto por "posts eficazes", limpar a mente - e nunca mais cair na esparrela de: debruçar em pensamentos desconstruidos de amor, desejar e sentir, apenas tocar a vida, como quem leva a boiada ao seu destino.


Trocar a poesia por relatórios e a prosa por planilhas que resolvem a vida sem deixar sobras, organizar para não mais pensar no lugar onde vou, quando não estou por aqui, aquele meu lugar nenhum que construí.
Nunca mais pensar no que não se pode ter, nunca mais pensar o quanto a falta de ar faz bem e, ironicamente, esperar ansiosa aquele susto ao te encontrar. A novidade de te ver.
Nenhuma catarse apenas auditorias. Balancear, equilibrar, amor sem necessidade, paixão sem desatino, a vida pendurada no quadro de avisos.


Então, decidir. Tocar a vida assim: sem música, nenhuma trilha sonora, sem reviravolta ou coragem, - sem Carlos, Manoel, William, Adelia, Cecilia, Clarice - sem sonhos, sem graças. É viver como se mil vidas tivesse, somente a ocupar-se - por ora, e por enquanto,a vida de verdade se finge, enquanto adormece, enquanto esquece...